(Em homenagem aos 40
anos do Centro de Arqueologia de Almada)
Fonte:
Frei
Agostinho de SANTA MARIA, Santuário
Mariano, Livro II, Título LXVI, Lisboa, Na Officina de António Pedrozo
Galrão, 1707, pp. 437-442.
Publicado também em:
(Actual
Imagem de Nossa Senhora da Assunção)
TITULO LXVI
Da
Imagem de nosa Senhora do Castello da villa de Almada
NO
anno em que ElRey Dom Affonso Henriquez tomou a Cidade de Lisboa aos Mouros,
que foy no de 1147, tomou também as Villas de Palmella & Almada, com os
mais lugares circumvisinhos a Lisboa. E já nesses tempos era Almada povoação de
nome, & pelas utilidades, que della tiravaõ os Mouros, a defendiaõ: eraõ
aquellas terras abundantes não só das cousas necessárias para a vida; mas de
regalos; & já neste tempo tinha Castello & era cingida de fortes muros
mas o valor del Rey D. Affonso tudo vencia, & com elle foraõ de todo lançados
fóra os Mouros daquellas terras, & começáraõ a ser pacificamente possuidas
dos Christãos. Alguns querem, que primeiro tomasse ElRey Almada, que Lisboa. O
que dos nossos Escritores consta, he, que naquelle anno se tomàraõ todas assim
o diz Fr. Antonio Brandão na Mon. Lus. p 3.l.10 cap 28.
A
Matriz da Villa de Almada he dedicada à Rainha dos Anjos Maria Santíssima (como
o são quasi todas as deste Reyno) debaixo do titulo do Castello, naõ só por que
se festeja no dia de sua gloriosa Assumpção em que se canta o Evangelho: Intravit JESUS in quoddam Castellum; mas
porque foy achada em os muros do Castello, a invocaçaõ também com este título.
He esta Sagrada Imagem taõ pequenina que não excede a altura de hum palmo.
[p.
438]
A
sua antiguidade he tão grande que excede a memória dos homēs, & não se sabe
dizer em que tempo foy o seu aparecimento, & assim o que se refere delle
por tradição he o que agora diremos.
Passando
certo dia o Prior daquella Igreja (de quem não fìcou em memoria o como se chamava)
por junto hum muro daquelle Castello, vio em hūa abertura, ou agulheiro do mesmo
muro hum vulto tão divisar (sic.) o que fosse; mas levado da curiosidade, ou movido de
soberano impulso, quiz ver o que aquillo era. E reconheceo ser hūa Imagem da Mãy
de Deos, que ainda que pequenina na estatura, era muyto grande na soberana
magestade que mostrava; porque nella se reconhece hum não sey què de divindade oculta.
Ou pudèra corn o Esposo dos Cantares, que achára no aguilheiro daquella pedra,
ou daquelle muro a divina Pomba Columba
mea in for aminibus petrae. E tendo o Prior por favor do Ceo aquelle achado
da Ave Santíssima, & merecia ser collocada em outro ninho muyto mais decente,
a levou para a sua Igreja, & nella a colocou. Concorrendo a gente com a
noticia, & fama do successo, se começàrão logo a manifestar os seus poderes,
nas muytas, & grandes maravilhas, que obrava: que supposto (por curia,
& negligência dos que então cuydavão daquela Igreja) senão authenticàraõ, a
tradição afirma, que forão muytas, & ainda agora a experiencia publica muytas
que obra em todos os que com viva fé a invocão.
He
esta soberana Imagem da Senhora de excellente escultura & de madeyra incorruptível,
como Cedro; foy estofada & encarnada & as roupas pefiladas das de ouro;
mas como a sua antiguidade he muyto grande, já hoje se vê a pintura muyto
amortecida. Porém os Priores daquella Igreja nunca quizerão consentir (& tiverão
razão) que se lhe tocasse para que assim se conservasse fosse melhor a tradição
de seu apparecimento
[p.
439]
Tem
sobre o braço esquerdo ao Menino Deos que tambem mostra hua soberana magestade
Ainda que as maravilhas & milagres que tem obrado esta Senhora são muytos não
há sinaes nem memorias delles & dizem que a causa de as não haver foy não
consentirem os Priores antiguos que na Igreja se puzessem payneis. Porèm todos
os dias está Deos obrando por meyo daquella Santíssima Imagem & intercessão
daquella Senhora toda misericordiosa de quē he retrato, milhares de prodígios
& milagres assim no mar como na terra & principalmente em mulheres que tem
partos difficulttosos por esta razão he a Madrinha geral de todos os meninos
que nacem & a advogada de todo aquelle povo
Somente
se vê naquella Igreja hum quadro que alli mandou por Dom Pedro Alvares da Cunha,
Trinchante Mor que refere ser mercê que a Senhora fez a sua filha primogénita (de
quem a Senhora he Madrinha) D. Lourença Francisca, livrando a de hūa gravíssima
doença em que já se reportava por morta & a Senhora (que he a medicina do mundo
como diz São Boaventura) Medicino Mundi,
lhe deu milagrosa vida.
Outro
grande & estupendo milagre nos refere o Prior que hoje he daquella Igreja o
Licenciado Joseph Botelho de Lemos, que foy delle testemunha ocular. Refere que
pelos annos de 1693 ou 94 estando-se concertando o tecto daquella Igreja (que
he grande & de huma só nave & muyto antigua de abóbada de pedra na
forma da Igreja do Convento de São Jeronymo de Belem) que he composto de lagēs
de pedras miúdas, & por esta causa tão ariscado, que em se desunindo hūa se
vem tudo abaixo; nesta occasião era tão evidente o perigo da passagem da Igreja
para a Capella mòr, que só ao redor de hūa parede se passava; porque tudo o
mais estava embaraçado [p. 440] com os andaimos, compostos de grandes mastros
muyto fortes & sobre elles estava hum assoalhado taboas novas & grossas,
em que se contavam seis dúzias, muyto bem leadas com cordas breadas & em cima
deste outro andaymo que chegava ao tecto. Ainda assim a fé que todos tinhão na
Senhora do Castello, os fazia tão ousados, que todos passavão sem algum temor,
dizendo que na Casa daquella Senhora ninguem podia perigar.
Assim
succedeo: porque durando a obra mais de hu mês & estando o tecto perigoso;
& a gente sem nenhūa cautela, não succedeo cousa, que prejudicasse alguma pessoa;
antes succedeo hum caso maravilhoso, que se não pode deixar de ter por hū evidentissimo
milagre, & foy, que na ocasião em que se concertava o tecto da Igreja pegarão
de hum dos payneis da abobada, que estava perigoso & as pedras delle mais
desunidas, que serião trinta da grossura de quatro dedos & de largura de dous
palmos em quadro. E julgando os Mestres que estava seguro por terem unido as
referidas pedras com palmetas de pao, mandàrão a dous aprendizes desmanchar os
andaymos, que tinhão de altura ao menos sessenta palmos; neste tempo hum dos
moços ficou no andaymo de baixo, que era o mayor & outro foy ao de cima,
& querendo com hum martello recolher hūa palmeta, que não estava bem metida,
por estarē as pedras em vão, cahirão todas as daquelle paynel que erão as
trinta referidas, com tal impeto & impulso, que quebràrão os mastros, as
cordas, & as taboas, que tudo era muyto forte, & cahindo no pavimento da
Igreja quebràraõ as campas das sepulturas, que erão grossíssimas & estavão
assentadas em terra firme. E sendo a fábrica de que se compunhaõ os andaymos de
diversos & muytos materiaes & as pedras na quantidade referida, & a
altura da Igreja imensa, vierão entre todas estas cousas os moços ao chão,
& ambos ficarão [p. 441] ilesos, sem que padecessem nem huma leve arranhadura. E só a hū delles se lhe rompeo hua abba da casaca, que era velha.
Este
successo assim referido não podia succeder naturalmente; mas na opinião de
todos os que virão, & souberão o modo como succedeo, o julgarão por hum singular
& prodigioso milagre da Senhora do Castello; & assim o jura o mesmo
Prior que nos fez esta relação.
Tem
esta Igreja hua Capella mòr magestosa & nella se vê hum retábolo dourado
& no meyo huma tribuna em que está collocada sobre hū trono outra Imagem
grande; a quem também dão o título do Castello & da Assumpção. He de talha
& estofada corn o Menino JESUS sobre braço esquerdo obrada na mesma forma da
milagrosa imagem da Senhora pequenina & apparecida; & sem dúvida, alem de
o affirmar a tradição se mandou fazer para que estivesse publica & exposta
à devota veneraçao dos fiéis visto que a Imagem da Senhora milagrosa estava occulta
à sua vista. Tambem he muy to magestosa & com ella se tem muyta devoção.
Tem
a Senhora do Castello hūa nobre & antiquissima Irmandade que goza de hum
grande thesouro de graças, & indulgencias que lhe concedèrão os Summos
Pontifices. He Juiz della o filho do Conde de Assumar & o forão sempre
fidalgos da primeyra nobreza. Festeja se quatro vezes no anno nas suas festas
principaes; porèm na de sua Assumpção, he mayor a celebridade. Tem a Senhora rendas
sufficientes em fóros & vinhas & he a Padroeira da Villa de Almada
& seu termo, & como tal invocação todas os horas os moradores della.
A
Imagem pequenina, por milagrosa & apparecida que póde bem ser fosse
escondida pelos Christãos, antes que os Mouros entrassem naquella Villa [talvez na reconquista de Almançor
de 1191] na qual
resplandeceria em milagres & a Divina Providencia a guardou [p. 442] & defendeo manifestando a depois ao Prior daquella Igreja, para que fosse o
presídio, o amparo, & a protecção della; merecia estar collocada em hum
sacrário de ouro, adornado de diamantes & pedras; porèm há havido tão pouca
attenção para se tratar toda aquella veneração, & respeyto que lhe he
devido que não tem lugar naquella casa que he sua.
Esta
Santa Imagem anda sempre pelas casas dos enfermos, & na ocasião em que se
nos fez esta relação se achava em casa do Trinchante mòr Dom Pedro da Cunha
[Quinta de São Lourenço, Palença de Baixo].
E
quando vem, a poem aonde querem & muytas das vezes se vê na Sacristia, sem
veneração algūa. Porque como ha naquella Igreja outra Imagem grande que está
collocada em a tribuna da Capella mór como fica dito; serve somente a Imagem da Senhora
antigua, & milagrosa de andar fazendo visitas pelas casas, consolando os
enfermos, & affligidos; sem atenderem os Priores daquella Igreja, a que a
poderáõ furtar; porque andando de mão em mão facilmente podia ser. E que desculpa
podem dar os Priores a hum grande descuydo & desatenção?
E
assim rogo a algū dos Priores daquella Igreja, se chegar a ler esta relação, remedee
esta falta, (porque a Senhora do Castello não castigue) mandando collocar a sua
Imagem em lugar aonde seja venerada como se vem as Imagēs da Senhora do Cabo, da
Senhora da Merceana, da Senhora das Virtudes, da Senhora das Brotas, da Senhora
dos Remédios de Lisboa, que todas estão em sacrarios com vidraças & com summa
veneração. Não permitindo que andem mãos de quem não trate com a veneração, que
se lhe deve; & que impida quanto puder o sahir fóra da sua Igreja; porque
para a devoção dos doentes, & enfermos, bastarà que se lhes conceda, ou hum
manto, ou huma coroa da mesma Senhora.
Autor e Licenças:
Frei
Agostinho de Santa Maria,
Ex Definidor Geral da Congregação dos Agostinhos Descalços deste Reyno, &
Natural da Villa de Estremoz
Editado
em Lisboa, na Officina de António Pedrozo Galrão, com todas as licenças
necessárias, no ano de 1707.
Dedicatória
a Nossa Senhora de Copacavana, escrita em Lisboa, Convento do Monte de Olivete,
Fevereiro, 2. de 1704.
Censura
do M.R. Padre Fr. Agostinho das Mercês, no Convento de Nossa Senhora das Mercês
da Cidade de Évora, em 11 de Setembro de 1702.
Censura
do M.R. Padre Fr. José dos Mártires, no Convento de Nossa Senhora das Mercês da
Cidade de Évora, em Outubro, 21. de 1702.
Com
a Licença de Fr. Manuel de S. José, Geral Vigário da Real Congregação dos
Descalços de N. Padre S. Agostinho de Portugal. Real Convento de N. Senhora da
Conceição do Monte de Olivete em 23 de Agosto de 1703.
Aprovado
por Fr. Manuel de S. Joseph e S. Rosa, Censor do Santo Ofício. Lisboa, S.
Francisco da Cidade, em 9 de Outubro de 1703.
Aprovado
por Fr. António das Chagas, Censor do Santo Ofício. Lisboa no Convento da Santíssima
Trindade, aos 29 de Outubro de 1703.
Licenças
de Carneiro / Moniz / Hasse / Monteyro / Ribeiro. Lisboa, 30 de Outubro de 1703.
Licença
de Fr. Pedro, Bispo de Bona. Lisboa, 1 de Dezembro de 1703.
Aprovado
no Paço por Sebastião de Mattos. Congregação do Oratório de Lisboa em 13 de
Junho de 1704.
Licenças
de Oliveira / Vieyra / Lacerda / Carneiro. Lisboa, 28 de Junho de 1704.
Licença,
visto estar conforme o original, de Carneiro / Hasse / Monteiro / Ribeiro /
Rocha / Fr. Encarnação. Lisboa, 7 de Outubro de 1707.
Licença
de Fr. Pedro, Bispo de Bona. Lisboa, 8 de Outubro de 1707.
Taxão
este Livro em 9 tostões em papel. Duque / P. Oliveira / Costa / Andrade /
Botelho. Lisboa, 12 de Outubro de 1707.
RUI
M. MENDES
Caparica,
1 de Novembro de 2012
Notas históricas:
As imagens
aqui descritas, quer a Nossa Senhora grande, quer a pequena já existam no século XVI, quando a
Igreja do Castelo foi visitada pela Ordem de S. Tiago, quer em 1527:
- No «altar-moor: o qual he de huma lagea sobre piares de pedra e tem
tres degraaos de pedraria e em cima dele
está huma imagem de Nosa Senhora de vulto de paao com ho minino Jesu no colo e
hum retabolo pequeno de Santana de imaginava todo dourado e sam as paredes da
dita capella mor de pedra e caal e o teito de cima he forrado de bordos muito
bem obrados e amte o dicto altar moor esta huma alampada com sua bacia d'arame»;
e
- No «corpo da dita igreja -silicet- o arco do cruzeiro he de pedrarya e
na parede do cruzeiro da bamda do norte
esta hum altar d'alvenaria com seu degrao de pedraria e em cima dele esta
hum retabolo de matiz bom com a imagem de São Pedro no meo de cuja envocação he
o dicto altar e as imagens de Sam Bemto e São Paulo e da Madalena e São
Francisco e pelo pe do dito retabollo
estão outra imagens de samtos e huma imagem pequena de Nosa Senhora de vulto de
pao com o minino Jesu no colo»; e
Quer em 1534,
período em que a Igreja do Castelo, parece, se andava refazendo, pois nesse ano
de 1534 já nela se encontravam colocados um vitral novo na parede norte da Capela
mor e um retábolo dourado e painel novo no Altar mor:
- «estão duas frestas abertas novamente na dita capella [mór] huma de
pedrarias da banda do sul e outra
d'allvenaria da parte do norte em a qual
esta huma vidraça com ha immagem de Nossa Senhora [] e na do sul esta hum
pano emcerado»;
- «está agora
na dita capella hum retabollo dourado
que he mayor que o alltar hum pallmo de cada parte e tem seu guarda po e
guirllanda por cima todo d'ouro e d'ahi e no meyo delle esta huma immagem de Nossa Senhora de vullto [com] o
menino no collo e da parte de evangelho a immagem de Nossa Senhora da Saudação
pintada e da parte da epistolla outra immagem
de Nossa Senhora d'Assunção o qual retabollo nos diseram que custara em branco quarenta mil reaes os
quaes se pagaram a custa de Dom
Jorge Pimentel comendador que foy desta comanda e a pintura custou outros quarenta mil reaes que pagou Fruitos de Goes
por sua devação e esta no meyo do dito retabollo em cima do alltar feito hum sacrario muito bem obrado e rico e nom
esta nelle o sacramento sendo mandado na visitação pasada que estivese ahy ao
que provemos como se adiante achara»;
(PINTO, 2001,
202)
Segundo
registará mais tarde Damião de Goes, alguns deste ornamentos foram encomendados
directamente por ele na Flandres, a pedido do seu irmão Frutos de Goes,
residente em Almada:
- «Item: — mãdei stando em
frandes pêra ha Egreiga de nossa sõra do castello dalmada hua vidraça grande em
q está pintada ha anuncjação de nossa snra».
- «loguo quomo vim de frandes
no anno de 1545 (sic), dei a meu irmão fructos de goes que deos haia hu
retabolo grade cõ portas co ha imagem de nossa snra pintada co seu bento filho
no collo, ha qual creo q elle deu a egreija de nossa snra do castello de almada
onde tem sua sepultura».
(HENRY, 1998, 155)
Com o terramoto de 1 de
Novembro de 1755, caiu a igreja do Castelo conforme documentam as Memórias e
Registos Paroquiais da Paróquia do Castelo:
«Em esta villa de Almada caio de todo a Iggrª do Convento de S.
Paulo de Religiozos Dominicos, a Iggr.ª de N.ª Snr.ª de Assumpção cita no
Castello, ficando nestas duas igrejas mortas perto de cem pessoas, e no
Castello foi tão grande a impressão, q as frotes torres delle, e a nobre caza
de Residência, q nelle tinhão os Priores, ficou tudo cahido e arruinado; na
villa, excepto duas ou três moradas de cazas, todas as mais ficarão, ou
cahidas, ou gravemente arruinadas, infelicidade que padecerão quazi todos os
edifícios nobres q havião assim ? em a freg.ª de Caparica, como as mais do
destricto desta v.ª. As pessoas que fallecerão assim na Iggr.ª do Castello,
como em S. Paulo pertencentes a esta minha freg.ª são as seguintes: Em a Iggr.ª
do Castello: / O Pe. António Frr.ª Peres, Thezour.º e Icónomo da Iggr.ª / O Pe.
Joze Henriques Madr.ª, Icónimo da mesma / Jozepha M.ª, m.er de António Franc.º
carpintrº / Madalena M.ª, m.er de George Pinto, trabalhador / A May do Thezourº
da freg.ª de S. Thiago, M.ª da S.ª ? Dias / E do mesmo duas filhas menores / Manoel
Joze da Costa, cazado com D. Izabel / João Duarte, homem solteiro, fazendeiro /
Ignácia M.ª, m.er de João Roiz o Bulla ?» (Almada, Castelo, Óbitos, Livro 5, f.
53-55v)
«A Matriz desta Vila com a
invocação de Nossa Senhora da Assunção situava-se em o Castelo, obra antiga,
nobre, de abóbada sem nave alguma, e toda de pedraria, a qual de todo se
arruinou e demoliu com as casas dos Priores em o Terramoto do primeiro de
Novembro de 1755, e no mesmo estado se conserva até o presente; e na mesma
forma as torres e muralhas do Castelo que padeceram igual ruína» (ANTT, Memórias Paroquiais, volume 3, n.º 5,
fls. 65-66 – apud FLORES, 2009, 38)
Em 1758 foi a
Imagem de Nossa Senhora da Assunção, que se mandou reformar em Lisboa, trasladada
para a Igreja do Espírito Santo, que então servia de Paroquial do Castelo,
conforme nos relata um dos livros da sua Irmandade:
«Sendo
arruinada pelo Terramoto do primeiro de Novembro do ano de 1755 a Freguezia de
Nossa Senhora da Assunpção do Castelo foy a Imagem da Mesma Senhora a unica que
chegou inteyramente a destruir-se achando-se a sua veneranda cabeça debaycho
das minas quando se desentulhou a Capela Mor da dita Igreja e freguesia
cuidarão logo os Irmãos da Meza da dita Senhora da Assumpção em mandar fazer
imagem nova que com essa se fêz servindo para ella a referida cabeça, e no dia
13 do presente mês de Agosto de 1758 foy exposta depois de benzida pontifical e
solemnemente pelo Excellentissimo e Reverendíssimo Arcebispo de Lacedemonia na
freguesia de Nossa Senhora dos Anjos da cidade de Lisboa, donde sendo conduzida
em procissão, no mesmo dia 13 de tarde pela sua irmandade junta com as mais que
assistiram a este acto, foy colocada nesta Igreja do Espírito Santo aonde se
acha de presente a Freguesia da mesma Irmandade.
Foy a
referida procissão solemnisissima e vistoza tanto na cidade de Lixboa onde foy
innumeravel o concurso de gente que a acompanhou, mas também na passagem do mar
por serem muitas as embarcações, que ornadas com suas bandeyras e galhardetes
no mesmo mar acompozeram [fl. 3v.] e assim mesmo sucedeu nesta vila de Almada
por que desembarcando-se a Senhora no Porto de Cacilhas, cujas prayas estavão
cobertas de gente, foy trazida com indiziveis allegrias pelas ruas, que
daquelle porto vem emdireitarão para esta dita Iggreja, as quais se achavam
ornadas com he costume na procissão do Corpo de Deus.
No dia 14 se
cantou missa solemne com musica e foy o orador do dito dia Meretissimo
Reverendo Padre Frei Ignacio de Jesus [...] religioso da província da Arrábida,
de tarde se cantaram vésperas, e a noite matinas, depois das quaes houve fogo,
e algum delle de vistas. No dia 15 houve também Missa com a mesma solemnidade e
foy o orador o Meretissimo Reverendo Padre Manoel de Jesus, presbitero de
habito de São Pedro, e de tarde se cantaram vésperas, como no dia antecedente.
Por esquecimento deixou de se dizer assima no lugar a que pertenciam e que à
chegada da procissão a esta dita Igreja se cantou solemnemente o Te Deum
Laudamus, e que as pessoas desta vila em três noites successivas ornaram com
luminarias as ruas della. Em todos os dias referidos assistirão [fl. 4] os
Religiosos de São Domingos desta vila, a Nobreza della, e grande concurso de
povo. E para que non fique em esquecimento o referido, e a todo o tempo conste
fiz neste livro a presente declaração, e eu Padre Francisco Leitão de
Figueiredo Escrivão da Mesa da Irmandade da mesma Senhora o escrevi e assignei».
AHMA, Irmandade de Nossa Senhora da Assunção do
Castelo, Constituição e regulamentação, Livro de Eleições e Termos de
Posse, Lv. 1 (1758-1808), fls. 3-4, n.º de registo: 3036. || […] Fl.31
(Transcrito de
Almada na História, N.º 13-14, 2007)
Os serviços paroquiais,
imagens e Irmandade de Nossa Senhora da Assunção foram em 1776 para a Igreja de
S. Paulo, que havia sido comprada por 6:400$000 réis pela Ordem de S. Tiago aos
Dominicanos, passando a servir de Paróquia do Castelo até 1835, ano em que foi extinta
a freguesia (Portaria do Cardeal Patriarca de Lisboa de 28 de Novembro).
A Imagem de
Nossa Senhora da Assunção permaneceu na Igreja de S. Paulo durante o século XIX
e XX, mesmo depois de em 1934 o P. António Falcão a ter comprado, em hasta
pública, com o antigo convento, oferecidos depois ao Cardeal Cerejeira para aí
edificar um seminário diocesano. A Igreja foi integrada no Seminário, sendo
aberta ao público para a missa dominical, sendo que a imagem de Nossa Senhora
da Assunção, que primitivamente se encontrava no altar mor, passou a ocupar o
altar lateral da de Nossa Senhora do Rosário, aqui ficando até ser transferida
para a nova Igreja de Almada, dedicada a Nossa Senhora da Assunção, no ano de
1969.
Fontes:
FLORES, Alexandre M., Vila e Termo de Almada nas Memórias
Paroquiais de 1758. Separata da Revista Anais
de Almada, n.º 5-6, Almada, [Ed. Autor], 2009.
HENRY, William John Charles, Ineditos Goesianos, Lisboa, V. da Silva
& Ca., 1898, p. 155
ANTT, Ministério do Reino, Colecção de plantas, mapas e outros documentos iconográficos, n.º 21 – pub. FERNANDES, Mário, "Documentos relativos à história de Almada : A Igreja de N.ª Sr.ª da Assumpção", in Al-madan, II Série, n.º 2 (pp. 111-115), Julho de 1993; vide também: MENDES, Rui M., «Património
Religioso de Almada e Seixal: Ensaio sobre a sua história no século XVIII». Publicado
na Revista Anais de Almada, 11-12
(2008-2009), Almada, Câmara Municipal de Almada, 2010, pp. 67-138, pub. http://www.academia.edu/640421/Patrimonio_Religioso_de_Almada_e_Seixal_Ensaio_sobre_a_sua_historia_no_seculo_XVIII
PINTO, Rui Miguel Costa, «As
Visitações da Ordem de Santiago em Almada no séc. XVII», in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa,
Vol. 119, Nº. 1-12, 2001, pp. 171-224.