segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Arquivo de Almada (1): Almada em 1897 por Luiz de Queiroz

Divulgo um interessante artigo de cariz monográfico sobre Almada publicado no já longínquo ano de 1897, na publicação Branco e Negro, da autoria do almadense Luiz de Queiroz. As imagens são as do texto original excepto a da estátua de D. Álvaro de Abranches e a do interior da Igreja de S. Paulo publicadas também na mesma revista mas noutros números. O texto trás a ortografia original, por isso não estranhem os «erros ortográficos» ...

Viagens no Paiz (XXI): Almada
In Branco e Negro. Semanário Illustrado, N.º 56, Ed. 25.4.1897


Almada – Uma vista do Castello

«ALMADA, em frente de Lisboa, assente na margem esquerda do nosso formosíssimo e poético Tejo, d’onde se descortinam os mais vastos e surprehedentes panoramas que o touriste póde encontrar por esse paiz fóra, é, sem dúvida, uma das mais pittorescas villas da vasta província da Exremadura.
Sobre a sua fundação e etymologia, correm as mais desencontradas das opiniões, porém, a que nos parece mais verdadeira, é de ter sido edificada pellos mussulmanos quando occuparam a Península no século VIII, pois em 186o n'umas escavações que se fizeram no passeio do Castello, encontraram-se subterradas muitas talhas mouriscas, nas quaes os mouros costumavam guardar, em tempos de invasões, os cereaes e outros productos agrícolas. A etymologia mais acceitavel, para não estarmos a citar a opinião de abalisados escriptores, é a do immortal historiador Alexandre Herculano que diz, no seu bello monumento a História de Portugal, que Almada vem de Almadan, nome este que se dava às palhetas d'ouro que o solo do mar lançava nas suas praias. D. Diniz, o rei Poeta, tinha uma corôa e um sceptro feitos d'ourô aqui achado e D. João III um sceptro de igual procedência.
Almada que foi conquistada aos mouros pelos soldados do notável guerreiro D. Affonso Henriques no dia 24 de junho de 1147, teve diversos foraes dados respectivamente por D. Affonso I em Coimbra em março de 1170; D. Affonso II em Santarém em dezembro de 1217 que confirmou o primeiro e D. Manoel em Lisboa a I de junho de 1513. D. Sancho I também lhe deu foral e fez doação d'ella aos cavalleiros da ordem de S. Thiago, por carta assignada em Lisboa no mez de agosto de 1190. Mais tarde, em 1297, D. Diniz incorporou-a nos bens-da corôa, dando em troca aos alludidos cavalleiros as villas de Almodôvar, Aljezur e Ourique.
Em 1190, quando o terrível Jacob, imperador de Marrocos, entrou em Portugal com um poderoso exército commandado por elle, pelos reis de Sevilha e Córdoba, Almada foi, como muitas outras povoações, saqueada e destruída ficando em um montão de ruínas, pelo que teve de ser reedificada por mandado de D. Sancho I, que então governava os destinos d'este outrora tão florescente paiz.
D. João I de Castella, que em 1384 invadiu Portugal com uma grande parte do seu exército, com o fim de se apossar do throno, ao qual se julgava com direito, por morte de D. Fernando, pôz a Almada, durante mez e meio, um apertadissimo cerco em que os habitantes deram provas de muita abnegação e patriotismo, pois escasseando os poucos alimentos de que dispunham, viram-se na necessidade de amassar o pão com vinho, porém, só se renderam quando o Mestre de Aviz lhes mandou dizer por um filho d'esta villa que atravessou o Tejo a nado, que se entregassem, e se assim não fosse, por certo prefariam morrer pela patria a entregar Almada aos castelhanos,
Mezes depois, quando D. João I de Castella se viu forçado a abandonar a idea da conquista de Lisboa, porque os seus soldados iam rareando, ainda não contente com o renhedíssimo assedio que pôz a Almada, não podendo deixar aqui guarnicão sua e para mais revoltar os seus heroicos habitantes, confiou a estes a defeza da villa, mas levando como refens os filhos dos seus principaes moradores, creancas de 3 a 4 annos de idade, e assim «os almadenses imitavam o sacrificio de Bruto, e entregavam á colera e á vingança do rei de Castella os tenros e innocentes filhos.»

ALMADA – RUA DIREITA

Esta villa que pertenceu aos inglezes, a D. Leonor Telles e á casa de Bragança, honrou se por vezes com a visita de alguns nossos monarchas.
Almada e cabeça de comarca e de concelho e compõe-se de trez freguezias com 15:030 habitantes.
Possue alguns edificios dignos de menção, d'entre os quaes destacaremos os seguintes: A egreja do convento de S. Paulo, celebre pela sua importancia historica, de cujo interior o Branco e Negro publicou há dias uma esplendida fotogravura, foi fundada em 1562 pelo insigne theologo e linguístico D. frei Francisco Foreiro, lente de theologia da universidade de Coimbra, pregador regio da côrte de D. João III e reformador do Missal e Breviario Romano, fallecido no seu convento em 10 de janeiro de 1581 e jaz n'uma tosca sepultura ao centro da capella-mór.
EGREJA DE S. PAULO - INTERIOR

Este templo é notavel não só nela obra de talha dos seus altares, como também pelos magníficos azulejos que o ornamentam representando factos allegoricos da vida de S. Domingos, a cuja ordem pertencia,
Destruído pelo memoravel terremoto do dia 1 de dezembro (sic.) de 1755, no momento em que a egreia se achava replecta de fieis que ficaram sepultados nos escombros, foi pouco depois reconstruido.
N'esta egreja dormem o somno eterno dois homens celebres nas armas e lettrâs pátrias: D. Álvaro Abranches da Camara, um dos vultos mais prestidiosos da gloriosa revolução de 1 de dezembro de 1640, e D. Francisco de Almeida Mascarenhas, distincto escriptor, licenceado em canones pela Universidade de Coimbra e socio da academia Real das Sciencias.
D. ÁLVARO ABRANCHES DA CAMARA - Escultura de J.P. Lima Santos

N'elle viveu durante alguns annos o elegante chronista e primoroso escriptor Fr. Luiz de Sousa. Na egreja de S. Paulo estão erectas duas irmandades - a de Nossa Senhora da Assumpção e a de Nossa Senhora do Rozario que em tempos passados possuio objectos de culto de grande valor, taes como : Corôas d'ouro com diamantes um riquissimo pallio com seis varas todas de prata, quatro castiçaes do mesmo metal e uma peanha também de prata em cima da qual era collocado em dias de festa o Santissimo Sacramento.
Este magestoso templo que se achava já bastante arruinado, está sendo actualmente reparado por um troço de operários sob a direcção do illustre conductòr de obras publicas, sr. Liberato Telles de Castro e Silva. Estas reparações foram mandadas fazer pelo governo, para o que muito contribuiu o nosso amigo e conterrâneo sr. Antonio Dionizio Parada.
O convento e quinta que é bastante pittoresca pelo copado do seu arvoredo secular, foi, pela extincção das ordens religiosas em 1834, vendido ao sr. Palyart, que o deixou por herança ao seu actual proprietario sr. Oliveira Ferraz.
Proximo, no amplo campo de S. Paulo, fica a praça de touros, construida em 1843.
A egreia de S. Thiago – matriz - de cuja fachada publicamos uma gravura é de fabrica antiquissima pois foi mesquita de mouros e reedificada no seculo passado por mandado do infante D. António, irmão de D. João V. E' templo de uma só nave. O tecto da capela-mór é todo de abobada de pedra em estylo manuelino. Fernão Mendes Pinto, o brilhante auctor das Peregrinações, está aqui sepultado.
ERMIDA DO ESPÍRITO SANTO

ALMADA – CONVENTO DE S. PAULO



ALMADA – EGREJA DE S. THIAGO

Almada possue bastantes ermidas, dessiminadas pelo concelho, e na do Espirito Santo, que é muito antiga, encontram-se as magnificas imagens que durante bastantes annos sahiram em domingo de Ramos, processionalmente pelas ruas da villa.
A casa da camara é um edifício de dois andares de boa apparencia. Foi construida no anno de 1793. N'ella estão installadas, além da camara, o tribunal judicial e cadeia. Possue uma alta torre com relógio, d'onde se desfructam soberbos panoramas, O relogio foi doado à camara d'este concelho por D. Maria I.
Tem Misericórdia instituída no século XVI.
Do Castello, situado no ponto mais alto da villa, descobrem-se vastos horisontes. A sua fundação data do anno de 1500.
E' muito sentida n'esta villa a falta de um hospital de caridade. Em 1892 constituiu-se aqui uma grande commissão afim de se levar a effeito a fundação d'um hospital. A' frente d'esta commissão, que pouco fez, figurava o ex-deputado por este circulo, o sr. Jayme Arthur da Costa Pinto, alma nobre, coração d'ouro, a quem Almada deve parte dos seus melhoramentos.
Em Almada realisam.se nos dias 23, 24e 25 de junho de cada anno, sumptuosas festividades a S. João.
Tem por brazão d'armas uma torre coroada sobre penhascos. No antigo regimen enviava deputados às cortes os quaes tinham assento no sexto banco.

Nos seus arredores que são fertilissimos encontram-se muitas fabricas de cortiça que empregam centenas de operarios, e a importante fabrica de moagens a vapor, systema austro-hungaro, pertencente á firma commercial Antonio José Gomes & Commandita.
Na Piedade, onde se feriu a memoravel batalha entre cartistas e miguelistas em 23 de julho de 1833, vespera da libertação da capital ergue-se o riquissimo palácio do sr. António José Gomes, que possue salas deslumbrantes, cujas pinturas a fresco rivalizam, na opinião de críticos eminentes, com as do palácio da Ajuda. Um pouco distante da Piedade fica a aprasivel quinta do Alfeite que pertenceu ao valente condestaveÌ D. Nuno Alvares Pereira, actualmente propriedade da casa Real. O seu palacio foi mandado construir em 1857, pelo fallecido monarcha D. Pedro V de saudosa Memória. A praia do Alfeite, uma das melhores da margem sul do Tejo, é muito frequentada por banhistas pela limpidez das suas águas.

A uma légua ao sul de Almada fica a freguezia de Caparica, importante centro vinhateiro, calculando-se a sua área em 20 kilometros, em linha recta, no seu maior comprimento, de N. a S., e de 15 kilometros, de O. a E. na sua maior largura.
N'esta populosa freguezia, fica, á beira-mar, o lazareto construído em 1867 sobre as ruinas da fortaleza de S. Sebastião de Caparica, que é digno de ser visitado pelos seus vastos e confortáveis alojamentos.

D'entre os vultos mais illustres de que Almadaa tem sido berço, sobresahem pelo seu talento e virtudes: Diogo Paiva de Andrade, poeta quinhentista e elegante prosador; D. Leonor de Mascarenhas, que fôra dama da rainha D. Maria, segunda esposa de D. Manoel, e que falleceu em Madrid com cheiro de santidade: Dr. José de Almeida, medico distincto; Frei Silvestre de Almada, auctor de varias obras religiosas; Dr. José Xavier Coutinho, mavioso poeta e jurisconsulto; Antonio Adelino Amaro da Silva, brilhante romancista; Eduardo Tavares, valente jornalista e escriptor; José Elias Garcia, grão-mestre da maçonaria, coronel de engenheiros, distincto jornalista, lente da eschola do exercito e chefe do partido republicano portuguez; Dr. Oliveira Feijão, illustre médico, professor de clinica cirurgica na eschola Medica de Lisboa; Dr. Bento Manoel da Costa Vaz, meretissimo juiz de direito da comarca de S. João da Pesqueira; e muitos outros que igualmente honram a terra onde nasceram.

Terminamos, agradecendo aos ex.mos srs. dr. Luiz Júdice Pargana, António Augusto de Figueiredo Feio e José Gabriel Holbeche a amabilidade que tiveram em nos ceder as photographias com que illustramos este artigo.
Almada, abril de 1897
Luiz de QUEIROZ.
 

Transcrito por
RUI M. MENDES
Caparica, 31 de Julho de 2011

ANEXO: Mapa de Almada de 1904

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