sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O Hospital dos Marinheiros Ingleses no Concelho de Almada



(Porto da Banática, Caparica, local onde funcionou em 1745 um Hospital de Marinheiros Ingleses).


Nota Prévia:
Este texto já foi parcialmente publicado do meu post «Da Fonte da Pipa à Arialva, passando peloOlho de Boi (2/3)».

Introdução
Estabeleceu-se na Margem do Sul do Tejo, no século XVIII, um Hospital de Marinheiros Ingleses, que teve a importante missão de dar assistência à frota da Marinha Inglesa, sobretudo a que fazia aqui escala a caminho ou vindo das Caraíbas, da Costa Africana e do Índico.
Era local de convalescência preferencial dos marinheiros britânicos, uma vez que o clima de Portugal era muito mais propício à recuperação da sua saúde do que a sua Britânia natal.
As fontes que consultámos registam que esteve em diversos locais ribeirinhos do concelho de Almada, entre eles a uma Quinta no Porto da Banática. Neste artigo vamos falar desses diversos locais.

Fonte da Pipa
Registamos a criação deste Hospital num Decreto de D. Pedro II datado de 22 de Maio de 1705, o qual determina que «os soldados e marinheiros inglezes das armadas d'esta nação que vêem a este porto e forem doentes, se curem nas casas do forte, que se edificaram no sitio da Fonte da Pipa, que fica da banda d'além do Tejo, para lhes servirem de hospital». (1 )



(Forte da Fonte da Pipa, Almada, onde foi estabelecido em 1705 um Hospital de Marinheiros Ingleses).

Este Hospital de Marinheiros Ingleses estabelecido no Forte da Fonte da Pipa desde 1705 é referido em outros documentos com ainda existente nesta margem em 1711 e 1713, como regressado a Lisboa em 1734 e de novo estabelecido na margem do sul em 1745. (2)

Parece claro que este Hospital Inglez novamente estabelecido em 1745 não seria no Forte da Fonte da Pipa, pois aqui residia em 1752, Manuel Antunes Simões e sua mulher, que nesse ano tomaram 400$000 réis de empréstimo aos Frades de São Paulo para a fábrica e aumento das suas fazendas. (3)


Porto da Banática
Em 1745 regista-se nos Livros de Óbitos da Caparica (4) um assento de 8 de Dezembro que refere o falecimento de André Angêlo, veneziano, «no Porto da Banática e casas do Capitão António Dias Pinheiro que de presente se acha o Hospital dos Ingleses».

(Assento de 1745 sobre o Hospital dos Ingleses no Porto da Banática)

Estas casas correspondiam às da quinta do Porto da Banática, a qual fazia parte do Casal da Banática, um dos casais da Capela de Maria Pires Roubã, de que era administrador no século XVIII Monsenhor João Guedes Pereira, e tinham sido aforadas a António Dias Pinheiro em 13 de Setembro de 1704, e arrematadas em 1748 por Francisco Carneiro de Araújo e Melo (5). 
Esta arrematação em 1748 pode indicar que entretanto o Hospital já fora transferido para outro local. 

Porto da Arrábida
De facto em 1758 encontramos um registo num dos livros de óbitos da Caparica com a notícia do falecimento de Francisco Rodrigues, morador nas Fontes Santas, no «Hospital da Nação Britânica cito no Porto da Arrábida, Freg.ª do Castello da Villa de Almada» (6) e cujos últimos sacramentos aí lhe foram administrados pelo Pe. Nicolau Tolentino Seabra (que sabemos residia em 1762 no lugar do Pragal).

    (Assento de 1758 sobre o Hospital da Nação Britânica no Porto da Arrábida)

Uma descrição de José Baretti feita na sua visita a Almada em 1760 diz que o mesmo estava à beira rio para baixo de Almada para a banda do mar e quando visita a Arialva diz que voltou rio acima:
«desci a collina, voltei ao bote, e mandei aproar ao hospital dos inglezes, que fica do mesmo lado do rio, para baixo, para a banda do mar; mas não vi lá cousa nenhuma que parecesse extraordinária, excepto um medico já velho do hospital, um urso, que, tendo recebido aos setenta annos uma rapariga de dezoito, tornou-se, apesar de inglez, tão bestialmente ciumento, que se poz a olhar muito para mim de soslaio, quando viu que me dirigia para o jardim do hospital, porque sua mulher alli estava n'aquelle momento colhendo figos e uvas para o jantar (…) do hospital inglez, donde voltei, rio acima, para casa de um irlandez (Arialva) que negoceia em vinhos por grosso». (7)
Esta descrição parece fazer coincidir este Hospital no Porto da Arrábida.


(Porto da Arrábida, Pragal, local onde existia em 1758 um Hospital de Marinheiros Ingleses)


Porto de Cacilhas
Já em 1793 numa pintura de Noel com o título de «A view taken from Lisbon, the English Hospital and the convento of Almada» parece indiciar que este Hospital estaria ou próximo do Convento de S. Paulo de Almada ou possivelmente em Cacilhas no local do Forte de Santa Luzia (mais tarde Guarda Fiscal).

(Noel, «A view taken from Lisbon, the English Hospital and the convento of Almada», 1793)

A confirmação da localização em Cacilhas vamos encontrá-la de novo num assento de óbito, desta vez da freguesia de S. Tiago de Almada, em 21 de Março de 1796, de Matheus Borch, solteiro de nação irlandesa, assistente no «Ospital de Cacilhas». (8)
 
(Assento de 1796 sobre o Hospital Inglês em Cacilhas)

Em 1798 Heinrich Friedrick Link refere a existência, «logo abaixo de Almada, no sopé da colina, de um grande hospital inglês para a marinhagem, em especial a das frotas e que ficava junto a um armazém grande de vinhos». Um dos doentes que foi tratado naquele hospital foi o Almirante Francis Beaufort, o inventor da ainda em uso escala de ventos, que tendo sido ferido em 28 de outubro de 1800, aquando da captura do Navio Espanhol S. José, veio completar a cura em Almada onde, segundo refere, dava grandes passeios pelos arredores. Beaufort só veio a largar de Lisboa , findo o tratamento, em 18 de agosto de 1801. (9).



(Almirante Francis Beaufort, 1774 + 1857, que passou pelo Hospital Inglês de Cacilhas entre 1800 e 1801)


Em 15 de janeiro de 1802 a Gazeta de Lisboa publicava o seguinte anúncio : «terça feira 19 do corrente mês, pelas 10 horas da manhã, na casa da praça do comércio se hão de vender em leilão vários restos de medicamentos, instrumentos de cirurgia, camas, lençóis, cobertores e outras pertenças do hospital da marinha britânica, sito no lugar de Cacilhas, aonde se poderão examinar os ditos artigos nos três dias antecedentes à venda».

Terá sido este o fim do Hospital da Marinha Britânica que esteve no concelho de Almada, nas margens do Tejo, quase 100 anos entre 1705 e 1802. 

Resta referir que este Hospital de marinheiros ingleses era um hospital militar pois o hospital dos mercadores ingleses só vei ao ser edificado em Lisboa em 1793 pelo famoso comerciante inglês Gerard DeVisme.


RUI M. MENDES
Caparica, 21 de Setembro de 2012

Notas:
(1) AHML, Liv.º X de reg.º de cons. e dec. do sr. rei D. Pedro II. fs. 78, in Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a história do Município de Lisboa, Tomo X, pág. 276 – cit. Alexandre M. Flores, Chafarizes de Almada, nota n.º 30.
(2) A.H. de Norris – The British Hospital in Lisbon, Lisbon : The British Historical Society of Portugal, 1973; et Com. E. Gomes – «Vigia da História», Revista da Armada, (Publicação Oficial da Marinha) no seu nº 459 Ano XLI de Janeiro 2012.
(3) ADS-CNA, Liv. 102, fól. 124v.
(4) ADS-PRQ, Almada, Caparica, Óbitos, Liv. 9, fóls. 112v-113.
(5) Carlos Gomes de Amorim Loureiro, Estaleiros Navais Portugueses. Subsídios para a história da construção naval de ferro e aço em Portugal, Vol. II: H. Parry & Son, Lisboa, 1965, pág. 44.
(6) ADS-PRQ, Almada, Caparica, Óbitos, Liv. 10, fól. 132.
(7) José Baretti et Alberto Telles (trad. ital.), Portugal em 1760. Cartas Familiares (XV a XXXVIII) de José Baretti, Lisboa : Typ. Barata & Sanches, 1896, págs. 35-40 – Cit. Abrantes Raposo et Victor Aparício, Os Palmeiros e os Gafos de Cacilhas, Cacilhas : J.F., pág. 57.
(8) ADS-PRQ, Almada, S. Tiago, Óbitos, Liv. 6, fól. 43.
(9) Com. E. Gomes, idem, ib.


3 comentários:

  1. Parabéns pelo seu trabalho aqui executado. Gostei de ler

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  2. Para leitura que fiz fiquei com a ideia que o Hospital Inglês poderia estar a Oeste da Arialva na muralha do Forno de Cima, onde existiu um grande edifico, com grandes jardins entre a imensa casa e o morro, ligada directamente a Oeste ao Porto da Arrábida, cuja muralha não dava acostagem a navios. Seria assim ou na Arrábida a menos de 100 metros de distância?. Parabéns.

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