sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Fábrica de Conservas no Ginjal (Almada)


Divulgo aqui um documento muito interessante sobre a história de Almada, trata-se de um cartaz publicado em 1923 pela Empresa Annuario do Brasil no «Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição Internacional do Rio de Janeiro: 7 de Setembro de 1822 a 7 de Setembro de 1922-7 de Setembro de 1923» de promoção de uma sociedade que teve sede no Ginjal em Almada, a Sociedade Mercantil Luso-Brasileira, sucessores da A. Leão & C.ia e Lino & C.ia, que era nas suas próprias palavras uma: «Fábrica de Conservas de todas as Especialidades, Aves, Caças, Carnes, Peixes, Sardinhas, Azeitonas, Legumes, Hortaliças, Azeites e Fructas em Calda».

RUI M. MENDES
Lisboa, 26 de Agosto de 2011


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Arquivo de Almada (2): O Lazareto de Lisboa em 1897, por António Frazão


Divulgo mais um interessante artigo publicado em 1897 no Semanário Branco e Negro, desta vez da autoria de António Frazão. Trata-se de uma descrição muito pormenorizada e bem documentada fotograficamente do antigo Lazareto de Lisboa, situado como se sabe junto à Torre Velha de S. Sebastião da Caparica.
As imagens são as do texto original (embora não na mesma ordem) e incluem uma inédita fotografia da Capela do Cemitério do Lazareto edificada com o cemitério em 1886 e que, estando em ruínas, foi desmantelada para os seus materiais serem aplicados na construção da Capela do Cemitério do Monte de Caparica em 1935.
O texto trás a ortografia original, por isso não estranhem os «erros ortográficos» ...

«Lazareto de Lisboa», Branco e Negro. Semanário Illustrado, N.º 60, Ed. 23.5.1897

LAZARETO DE LISBOA – Doca; recinto dos armazéns; lazareto velho

«Tinha ficado em Lisboa para, no dia seguinte, acompanhar o meu amigo S. n'uma visita ao lazareto, onde ha perto de oito annos sou empregado.
Pelas 10 horas da manhã, bem almoçados, chegavamos a Belem e ali embarcámos no bote do Cegueta, do Porto Brandão. O meu companheiro, a principio receioso da travessia em catraio, foi-se pouco a pouco animando e a breve trecho tinha-se habituado ao balouçar cadenciado do barquito, que seguia ligeiro, impellido pela aragem fresca, mas agradavel, do norte.

LAZARETO DE LISBOA – Vista geral do lado do Tejo

A' medida que nos approximavamos, iam-se tornando cada vez mais distinctas as feições do lendario monstro, besuntado a ocre, morbidamente reclinado sobre as verdejantes collinas onde outrora existiu a fortaleza de S. Sebastião, da Torre Velha, monstro hoje escasso de forças, mercê dos repetidos ataques de que tem sido alvo, sem de todo o derrubarem, espantalho dos viajantes, dizem, e terror do commercio, mas não poucas vezes, e ainda em epocha que não vae longe, quando as barbas do visinho fumegam, por todos considerado seguro baluarte erigido na margem sul do Teio para defender o paiz das invasões epidemicas.
Atracámos ao caes de Porto Brandão e tomámos pelo aterro que substituiu a ponte de madeira, que d'aquella povoação dava passagem á parte do lazareto onde se acham situados, á beira-mar, os armazens-estufas para a desinfecção de mercadorias, quer brevemente, serão desembarcadas n'uma solida ponte de ferro, não ha muitos mezes acabada de construir.

LAZARETO DE LISBOA – Armazém de desinfecção pelo acido sulfuroso

O caes, a pequena distancia, para o qual abrem tres portões de ferro que dão ingresso aos armazens e dependencias da alfandega, é pouco espaçoso para o actual movimento. As escadas de pedra, acanhadíssimas, torna-se, por vezes, difficil a atracação dos botes e fragatas que a miude entram na doca, o que é devido a ter esta uma abertura, exposta ao norte, desproporcional ás suas dimensões, não offerecendo por esse facto o abrigo que seria para desejar.
LAZARETO DE LISBOA – Avenida e chalet da vaccina

No redente de leste, do caes, acha-se uma pequena barraca, convenientemente adequada ao serviço de vigilancia, d'onde os guardas de saude podem observar o que se passa em qualquer ponto do caes ou do aterro. Em dias de movimento de passageiros e de bagagens o serviço de policia é coadiuvado pelas praças do destacamento estacionado no lazareto.
Do lado opposto á referida barraca, ao sopé de uma rocha elevada, existe uma casa, tendo no seu maior comprimento seis janellas e uma porta, de um só pavimento, onde durante muito tempo esteve a secretaria e o archivo que, ultimamente, se acham installados, aquella nas proximidades do parlatorio, e este em parte do amplo armazem de arrecadação de mobilia mandado edificar no antigo terraço das quarentenas.
Deixámos o caminho que circumda, do poente, o lazarelo, e sóbe ao quartel do destacamento, e entrámos no recinto chamado dos armazens, onde se acham installadas, além da delegação aduaneira e respectiva casa do despacho, as estufas para desinfecção de bagagens pelo acido sulfuroso, as de Geneste & Herscher para desinfecção pelo calor, e as ventoinhas applicadas nas beneficiações por ventilação mechanica.


LAZARETO DE LISBOA – Estufas Geneste & Herscher

Os melhoramentos introduzidos no serviço de desinfecção e de reverificação de bagagens datam de poucos annos.
E Para se avaliar dl sua grande importancia basta dizer que chegando muitas vezes ao lazareto, afim de serem beneficiadas, bagagens de trezentos e mais passageiros, no curto espaço de seis ou sete horas são aquellas descarregadas, abertas, desinfectadas e verificadas pela alfandega, levando-as os seus donos para Lisboa no mesmo dia em que desembarcam, o que lhes evita incommodos e despezas.
Uma escadaria ladrilhada á moderna conduz dos armazens ao lazareto velho, estabelecido na antiga fortaleza de S. Sebastião, e ao local onde foram construidos os edificios vulgarmente conhecidos por quarentenas.
A ascenção é longa, porém, a escada suave, vendo-se, nos pontos em que tem mais largura, alguns alegretes artisticamente matisados de flores.
A' medida que subiamos, o meu amigo soltava exclamações admirativas, causadas pela belleza do panorama, que se torna verdadeiramente encantador observado do terreiro do lazareto velho. N'este mesmo plano fica a enfermaria de doenças suspeitas e a pequena capella do martyr S. Sebastião, cuja imagem, primorosamente esculpturada em madeira do Brazil, se ostenta, presentemente, na capella do parlatorio reservado aos visitantes.
A enfermaria de doenças suspeitas, a que tambem dão o nome de hospital, acha-se completamente isolada das outras dependencias do estabelecimento. E' um edificio que satisfaz cabalmente ao fim a que é destinado. Foi alli que, ha annos, conservaram incommunicavel, durante uns dias, o professor José Julio Rodrigues, fallecido da doença que motivou a sua estada no lazareto e sobre cuja natureza se suscitaram duvidas.
Encontra-se, ao sahir do lazareto velho, um grupo de chalets de madeira, revestidos de argamassa, onde cumprem os impedimentos os carvoeiros e estivadores vindos de bordo das embarcações fundeadas no quadro das quarentenas.

LAZARETO DE LISBOA – Edifício das quarentenas

Um caminho estreito, chamado da ronda, cerca o vasto recinto das novas edificações, dispostas em fórma de leque, no vertice do qual está a cosinha, que, pelas rodas, faz chegar a comida ao interior das quarentenas. O magnifico fogão, que custou mil libras esterlinas, podendo n'elle cosinhar-se para mais de mil hospedes, consta-me não ter rival áquem dos Pyrineus.
Destinaram a sala de visitas o pavimento superior á cosinha. Denominam-n’o parlatorio. E' de fórma semicircular e illuminado por vinte e uma bem rasgadas janellas, fronteiras a outras tantas d'onde os quarentenarios recebem as pessoas que os visitam.
Ao centro d'esta sala está a capella da Senhora do Bom Successo e n'ella se celebra missa, aos domingos e dias santos, que póde ser ouvida pelas pessoas impedidas em qualquer das quarentenas.
Fomos ao interior d'estas ultimas, cada uma das quaes constitue uma não pequena hospedaria, e o meu amigo teve occasião de ver de perto ser inexcedivel o asseio e magnifica a disposição dos utensílios; não obstante, achou muitos d'elles inferiores e pouco em harmonia com as taxas pagas pelos quarentenarios.
As salas de jantar, os quartos e as camaratas recebem luz a jorros, sendo convenientemente arejados.
Os pateos interìores ajardinados com gosto; os exteriores, deitando sobre o rio, são uma distracção para os quarentenarios, pela vista surprehendente que d'alli se disfructa, fazendo-lhes passar quasi despercebidas as horas de captiveiro a que são obrigados pelas prescripções sanitarias.


LAZARETO DE LISBOA – Capella do cemitério

Antes de nos dirigirmos ao cemiterio, que nada tem de notavel a não ser o magnifico ponto de vista, fomos á lavanderia quer em ponto pequeno, é das melhores que existem, honrando muito o empregado que dirigiu os trabalhos e o serralheiro mechanico que os executou.
Annexo ha um pateo onde foram collocadas capoeiras, sempre providas de excellentes gallinaceos e não inferiores palmipedes.

LAZARETO DE LISBOA – Caes
Um pouco mais adeante entra-se, por um portão de ferro, para o guartel do destacamento que, embora o considerem pouco espaçoso sempre dá alojamento a mais de cem praças.
Depois de termos tomado o folego junto á casa de arrecadação do material para extincção de incendios, dispusemo-nos a subir a ingreme ladeira que dá accesso ao cemiterio, o mais recente de não sei quantos que existem na inactividade e eram, como este é, exclusivamente destinados aos fallecidos sob impedimento.
A impaciencia em admirar um dos mais soberbos panoramas obrigou-nos a ser rapidos na ascenção e foi fatigadíssimos que lográmos chegar ao banco collocado no jardimzito proximo ao cemiterio.
D'aquella eminencia tudo que nos cerca constitue um deslumbrante quadro, que os olhos procuram abranger com sofreguidão. Lá ao longe, na nossa frente, desenrola-se a esplendorosa tela, em que percorremos, n'um relance, a margem do norte, desde os cachopos que servem de couraça á cidadella de Cascaes até aos pesados torreões do Terreiro do Paço.

LAZARETO DE LISBOA – Sala de jantar de I.ª Classe

DR. ANTÓNIO HOMEM DE VASCONCELLOS
Inspector do Lazareto
Junto a nós, á direita revestida de vegetação luxuriante. a quinta da Azenha, hoje dependencia do lazareto, terminada ao nascente pelo valle que corre da Fonte Santa a Porto Brandão; á esquerda os fertilissimos vinhedos da Chanoca e da Paulina, expondo os esmeraldinos pampanos ao calor vivificante de um sol primaveril.
N'uma perspectiva caprichosa serpeia a estrada, orlada de eucalyptos, destacando-se d'um fundo de verdura o elegantissimo chalet da vaccaria (sic).
No extremo norte da ridente avenida, o pittoresco agrupamento das edificações do moderno lazareto, telhados marselhezes, de encarnado vivo, apresentando o aspecto de amphitheatro, airosamente dispostas quasi á beira da rocha sobranceira ao Tejo, em que, de onde em onde, brilha a alvura das velas dos barquinhos que fazem carreira para Belem.
Custou-me arrancar d'ali o meu amigo, embebido como estava na contemplação do singular espectaculo.
Depois de jantarmos, S. quiz regressar a Lisboa, por Cacilhas, pois não teve coragem, ao ver refrescar o tempo, de se aventurar a nova viagem até Belem.
No trajecto, em tipoia, pediu-me varias informações relativas á organisação do lazareto.
Disse-lhe quanto sabia, não occultando que, devido ao talento e superior tacto administrativo do sr. dr. Antonio Homem de Vasconcellos, inspector d'esta repartição sanitaria desde 1879, se deve a boa ordem que preside a todos os serviços, como tiveram ensejo de verificar o dr. Proust e outras summidacles scientificas que, em diversas epochas, teem visitado o lazareto, que classificam de estabelecimento modêlo e um dos primeiros d’ Europa e da America.
A competencia do sr. dr. Antonio Homem evidenciou-se, sobretudo, na maneira acertada por que tem gerido a hospedaria do lazareto (a cuja arrematação não concorreram particulares receiosos de perder dinheiro), da qual o inspector d'aquelle estabelecimento, por uma sabia administração, tem conseguido tirar importantes lucros para o estado.
Como empregado subalterno seria ousadia da minha parte referir-me com elogio a um superior, se o que acabo de expôr não fosse um extracto, embora ligeiro, do muito que se diz em abono de tão zeloso quanto prestante funccionario.
Caparica, 26 de abril de 1897.
ANTÓNIO FRAZAO.

Transcrito por
RUI M. MENDES
Caparica, 1 de Agosto de 2011

ANEXO: Mapa da zona do Lazareto da Torre Velha, no Porto Brandão, 1904

 

Arquivo de Almada (1): Almada em 1897 por Luiz de Queiroz

Divulgo um interessante artigo de cariz monográfico sobre Almada publicado no já longínquo ano de 1897, na publicação Branco e Negro, da autoria do almadense Luiz de Queiroz. As imagens são as do texto original excepto a da estátua de D. Álvaro de Abranches e a do interior da Igreja de S. Paulo publicadas também na mesma revista mas noutros números. O texto trás a ortografia original, por isso não estranhem os «erros ortográficos» ...

Viagens no Paiz (XXI): Almada
In Branco e Negro. Semanário Illustrado, N.º 56, Ed. 25.4.1897


Almada – Uma vista do Castello

«ALMADA, em frente de Lisboa, assente na margem esquerda do nosso formosíssimo e poético Tejo, d’onde se descortinam os mais vastos e surprehedentes panoramas que o touriste póde encontrar por esse paiz fóra, é, sem dúvida, uma das mais pittorescas villas da vasta província da Exremadura.
Sobre a sua fundação e etymologia, correm as mais desencontradas das opiniões, porém, a que nos parece mais verdadeira, é de ter sido edificada pellos mussulmanos quando occuparam a Península no século VIII, pois em 186o n'umas escavações que se fizeram no passeio do Castello, encontraram-se subterradas muitas talhas mouriscas, nas quaes os mouros costumavam guardar, em tempos de invasões, os cereaes e outros productos agrícolas. A etymologia mais acceitavel, para não estarmos a citar a opinião de abalisados escriptores, é a do immortal historiador Alexandre Herculano que diz, no seu bello monumento a História de Portugal, que Almada vem de Almadan, nome este que se dava às palhetas d'ouro que o solo do mar lançava nas suas praias. D. Diniz, o rei Poeta, tinha uma corôa e um sceptro feitos d'ourô aqui achado e D. João III um sceptro de igual procedência.
Almada que foi conquistada aos mouros pelos soldados do notável guerreiro D. Affonso Henriques no dia 24 de junho de 1147, teve diversos foraes dados respectivamente por D. Affonso I em Coimbra em março de 1170; D. Affonso II em Santarém em dezembro de 1217 que confirmou o primeiro e D. Manoel em Lisboa a I de junho de 1513. D. Sancho I também lhe deu foral e fez doação d'ella aos cavalleiros da ordem de S. Thiago, por carta assignada em Lisboa no mez de agosto de 1190. Mais tarde, em 1297, D. Diniz incorporou-a nos bens-da corôa, dando em troca aos alludidos cavalleiros as villas de Almodôvar, Aljezur e Ourique.
Em 1190, quando o terrível Jacob, imperador de Marrocos, entrou em Portugal com um poderoso exército commandado por elle, pelos reis de Sevilha e Córdoba, Almada foi, como muitas outras povoações, saqueada e destruída ficando em um montão de ruínas, pelo que teve de ser reedificada por mandado de D. Sancho I, que então governava os destinos d'este outrora tão florescente paiz.
D. João I de Castella, que em 1384 invadiu Portugal com uma grande parte do seu exército, com o fim de se apossar do throno, ao qual se julgava com direito, por morte de D. Fernando, pôz a Almada, durante mez e meio, um apertadissimo cerco em que os habitantes deram provas de muita abnegação e patriotismo, pois escasseando os poucos alimentos de que dispunham, viram-se na necessidade de amassar o pão com vinho, porém, só se renderam quando o Mestre de Aviz lhes mandou dizer por um filho d'esta villa que atravessou o Tejo a nado, que se entregassem, e se assim não fosse, por certo prefariam morrer pela patria a entregar Almada aos castelhanos,
Mezes depois, quando D. João I de Castella se viu forçado a abandonar a idea da conquista de Lisboa, porque os seus soldados iam rareando, ainda não contente com o renhedíssimo assedio que pôz a Almada, não podendo deixar aqui guarnicão sua e para mais revoltar os seus heroicos habitantes, confiou a estes a defeza da villa, mas levando como refens os filhos dos seus principaes moradores, creancas de 3 a 4 annos de idade, e assim «os almadenses imitavam o sacrificio de Bruto, e entregavam á colera e á vingança do rei de Castella os tenros e innocentes filhos.»

ALMADA – RUA DIREITA

Esta villa que pertenceu aos inglezes, a D. Leonor Telles e á casa de Bragança, honrou se por vezes com a visita de alguns nossos monarchas.
Almada e cabeça de comarca e de concelho e compõe-se de trez freguezias com 15:030 habitantes.
Possue alguns edificios dignos de menção, d'entre os quaes destacaremos os seguintes: A egreja do convento de S. Paulo, celebre pela sua importancia historica, de cujo interior o Branco e Negro publicou há dias uma esplendida fotogravura, foi fundada em 1562 pelo insigne theologo e linguístico D. frei Francisco Foreiro, lente de theologia da universidade de Coimbra, pregador regio da côrte de D. João III e reformador do Missal e Breviario Romano, fallecido no seu convento em 10 de janeiro de 1581 e jaz n'uma tosca sepultura ao centro da capella-mór.
EGREJA DE S. PAULO - INTERIOR

Este templo é notavel não só nela obra de talha dos seus altares, como também pelos magníficos azulejos que o ornamentam representando factos allegoricos da vida de S. Domingos, a cuja ordem pertencia,
Destruído pelo memoravel terremoto do dia 1 de dezembro (sic.) de 1755, no momento em que a egreia se achava replecta de fieis que ficaram sepultados nos escombros, foi pouco depois reconstruido.
N'esta egreja dormem o somno eterno dois homens celebres nas armas e lettrâs pátrias: D. Álvaro Abranches da Camara, um dos vultos mais prestidiosos da gloriosa revolução de 1 de dezembro de 1640, e D. Francisco de Almeida Mascarenhas, distincto escriptor, licenceado em canones pela Universidade de Coimbra e socio da academia Real das Sciencias.
D. ÁLVARO ABRANCHES DA CAMARA - Escultura de J.P. Lima Santos

N'elle viveu durante alguns annos o elegante chronista e primoroso escriptor Fr. Luiz de Sousa. Na egreja de S. Paulo estão erectas duas irmandades - a de Nossa Senhora da Assumpção e a de Nossa Senhora do Rozario que em tempos passados possuio objectos de culto de grande valor, taes como : Corôas d'ouro com diamantes um riquissimo pallio com seis varas todas de prata, quatro castiçaes do mesmo metal e uma peanha também de prata em cima da qual era collocado em dias de festa o Santissimo Sacramento.
Este magestoso templo que se achava já bastante arruinado, está sendo actualmente reparado por um troço de operários sob a direcção do illustre conductòr de obras publicas, sr. Liberato Telles de Castro e Silva. Estas reparações foram mandadas fazer pelo governo, para o que muito contribuiu o nosso amigo e conterrâneo sr. Antonio Dionizio Parada.
O convento e quinta que é bastante pittoresca pelo copado do seu arvoredo secular, foi, pela extincção das ordens religiosas em 1834, vendido ao sr. Palyart, que o deixou por herança ao seu actual proprietario sr. Oliveira Ferraz.
Proximo, no amplo campo de S. Paulo, fica a praça de touros, construida em 1843.
A egreia de S. Thiago – matriz - de cuja fachada publicamos uma gravura é de fabrica antiquissima pois foi mesquita de mouros e reedificada no seculo passado por mandado do infante D. António, irmão de D. João V. E' templo de uma só nave. O tecto da capela-mór é todo de abobada de pedra em estylo manuelino. Fernão Mendes Pinto, o brilhante auctor das Peregrinações, está aqui sepultado.
ERMIDA DO ESPÍRITO SANTO

ALMADA – CONVENTO DE S. PAULO



ALMADA – EGREJA DE S. THIAGO

Almada possue bastantes ermidas, dessiminadas pelo concelho, e na do Espirito Santo, que é muito antiga, encontram-se as magnificas imagens que durante bastantes annos sahiram em domingo de Ramos, processionalmente pelas ruas da villa.
A casa da camara é um edifício de dois andares de boa apparencia. Foi construida no anno de 1793. N'ella estão installadas, além da camara, o tribunal judicial e cadeia. Possue uma alta torre com relógio, d'onde se desfructam soberbos panoramas, O relogio foi doado à camara d'este concelho por D. Maria I.
Tem Misericórdia instituída no século XVI.
Do Castello, situado no ponto mais alto da villa, descobrem-se vastos horisontes. A sua fundação data do anno de 1500.
E' muito sentida n'esta villa a falta de um hospital de caridade. Em 1892 constituiu-se aqui uma grande commissão afim de se levar a effeito a fundação d'um hospital. A' frente d'esta commissão, que pouco fez, figurava o ex-deputado por este circulo, o sr. Jayme Arthur da Costa Pinto, alma nobre, coração d'ouro, a quem Almada deve parte dos seus melhoramentos.
Em Almada realisam.se nos dias 23, 24e 25 de junho de cada anno, sumptuosas festividades a S. João.
Tem por brazão d'armas uma torre coroada sobre penhascos. No antigo regimen enviava deputados às cortes os quaes tinham assento no sexto banco.

Nos seus arredores que são fertilissimos encontram-se muitas fabricas de cortiça que empregam centenas de operarios, e a importante fabrica de moagens a vapor, systema austro-hungaro, pertencente á firma commercial Antonio José Gomes & Commandita.
Na Piedade, onde se feriu a memoravel batalha entre cartistas e miguelistas em 23 de julho de 1833, vespera da libertação da capital ergue-se o riquissimo palácio do sr. António José Gomes, que possue salas deslumbrantes, cujas pinturas a fresco rivalizam, na opinião de críticos eminentes, com as do palácio da Ajuda. Um pouco distante da Piedade fica a aprasivel quinta do Alfeite que pertenceu ao valente condestaveÌ D. Nuno Alvares Pereira, actualmente propriedade da casa Real. O seu palacio foi mandado construir em 1857, pelo fallecido monarcha D. Pedro V de saudosa Memória. A praia do Alfeite, uma das melhores da margem sul do Tejo, é muito frequentada por banhistas pela limpidez das suas águas.

A uma légua ao sul de Almada fica a freguezia de Caparica, importante centro vinhateiro, calculando-se a sua área em 20 kilometros, em linha recta, no seu maior comprimento, de N. a S., e de 15 kilometros, de O. a E. na sua maior largura.
N'esta populosa freguezia, fica, á beira-mar, o lazareto construído em 1867 sobre as ruinas da fortaleza de S. Sebastião de Caparica, que é digno de ser visitado pelos seus vastos e confortáveis alojamentos.

D'entre os vultos mais illustres de que Almadaa tem sido berço, sobresahem pelo seu talento e virtudes: Diogo Paiva de Andrade, poeta quinhentista e elegante prosador; D. Leonor de Mascarenhas, que fôra dama da rainha D. Maria, segunda esposa de D. Manoel, e que falleceu em Madrid com cheiro de santidade: Dr. José de Almeida, medico distincto; Frei Silvestre de Almada, auctor de varias obras religiosas; Dr. José Xavier Coutinho, mavioso poeta e jurisconsulto; Antonio Adelino Amaro da Silva, brilhante romancista; Eduardo Tavares, valente jornalista e escriptor; José Elias Garcia, grão-mestre da maçonaria, coronel de engenheiros, distincto jornalista, lente da eschola do exercito e chefe do partido republicano portuguez; Dr. Oliveira Feijão, illustre médico, professor de clinica cirurgica na eschola Medica de Lisboa; Dr. Bento Manoel da Costa Vaz, meretissimo juiz de direito da comarca de S. João da Pesqueira; e muitos outros que igualmente honram a terra onde nasceram.

Terminamos, agradecendo aos ex.mos srs. dr. Luiz Júdice Pargana, António Augusto de Figueiredo Feio e José Gabriel Holbeche a amabilidade que tiveram em nos ceder as photographias com que illustramos este artigo.
Almada, abril de 1897
Luiz de QUEIROZ.
 

Transcrito por
RUI M. MENDES
Caparica, 31 de Julho de 2011

ANEXO: Mapa de Almada de 1904