sexta-feira, 24 de junho de 2011

Figuras de Almada (2): Padre António Soares de Albergaria, Historiador e Heraldista


(Retrato do Padre António Soares de Albergaria, 1632, in Tropheos lusitanos por Antonio Soares Albergaria)

Na obra Biblioteca Lusitana encontramos uma descrição biográfica e bibliográfica da obra daquele que foi um dos mais importantes escritores e genealogistas portugueses do século XVII:
«Naceo na Villa de Castello Branco no Bispado da Guarda em o anno de 1581, e foy filho de Fernaõ Rodriguez de Coimbra, e Francisca Soares de Albergaria ambos das famílias mais nobres da Villa de Veyros.
Ordenado de Presbytero, obteve hum Benefício na Parochial Igreja de Santo Estevão de Lisboa, e foy Capellão das Capellas de Santo Eutrópio cuja vida escreveo, e de S. Matheos de Lisboa.
Teve bom engenho, feliz memória, e continua applicação aos livros principalmente históricos, e Genealógicos (…).
Retirou-se a huma Quinta que herdou junto de Almada, e edificou huma Ermida dedicada a Jesus Maria Jozé no Caminho, que vay de Casilhas para N. Senhora do Cabo onde viveo parcamente.



(Frontispício da Obra Tropheos lusitanos, 1632, pelo Padre António Soares Albergaria)
Compoz:
- Trofeos Lusitanos. Lisboa por Jorge Rodrigues, 1631-1632. 4. Consta dos brazoens das famílias ilustres deste Reyno;
- Resposta a certas objeçoens sobre os Trofeos Lufitanos. Lisboa pelo mefmo impressor. 1634. 4. Na obra precedente a esta se vê o seu Retrato com elle epigramma na parte inferior. Vera est Authoris gravis hac quam cernis imago Sat notat hac maius fronte nitere Deus. Antoni entitulos duplex tibi reddit imago Hac faciem ingenij fthemmata reddit opus.;
- Triumfos da Nobreza Lusitana, e origem de seus brazoens. 6. Tom. Tratava nelles de quatrocentas famílias do Reyno, que certamente estarião acabados, e entregues à Impressaõ porém (são palavras do mesmo Author no Prologo dos Trofeos Lusitanos) nenhuma cousa se começa bem, se não he depois de Deos, de algum grande Príncipe favorecida, 2. Tomos desta obra se confervão escritos da sua própria mão na Livraria do Convento da Graça de Lisboa, como também
- Chronica dos Reys de Portugal desde o Conde D. Henrique ate Felippe IV de Castella. fol. M. S.;
- Titulo de Coutinhos historiado. M. S. da sua própria mão se guarda na dita Livraria.;
- Livro de Armaria em que ensina, e declara todos os modos, e formas de escudos, e suas significaçoens. M. S.;
- Tratado dos Santos Portugueses. Com licenças para a Impressão no anno de 1639. Conserva-se M. S. na Livraria dos Padres da Congregação do Oratório de Lisboa.;
- Adágios em latim, e Portuguez M. S. (…)»

(Local da residência do Padre António Soares de Albergaria, junto a Almada, entre c. 1641 e 1654)

Como a diz a sua biografia o Padre António Soares de Albergaria retirou-se para uma quinta de Almada, o que terá acontecido antes de 1642 pois já nesse ano era residente em Almada, numa quinta do sítio da Alagoa, conforme se regista numa escritura feita em Lisboa em 28 de Abril de 1642, em que João Vieira da Câmara lhe faz doação de uma vinha (Index, T. III, p. 177).
Numa outra escritura, feita em Almada na nota de Manuel de Medeiros Caldeirão, em 26 de Outubro de 1643, o Padre António Soares de Albergaria é referido como sendo proprietário da vinha do Regil e morador na «sua quinta que está de trás da quinta dos Padres de S. Domingos» (DGARQ-ADS, Notariais de Almada, Cx. 4390, L. 044, f. 123).

Em 30 de Junho de 1654, o Padre António Soares de Albergaria vende a sua quinta da Alagoa, junto a Almada, a João Bornete (comerciante, morador na cidade de Lisboa), a qual constava então de:
«suas casas, e posso de água com sua nora, e mais com vinhas na dita quinta e outras fora da dita quinta, a saber a vinha do Regil e outra sita na Carvoeira, e outra que chamão as Figueiras e outra quando vai para Quebra Joelho».
A venda foi feita com licença dos Priores das Igrejas de Almada em Cabido dada em 8.7.1654, pois a quinta era em parte foreira às referidas Igrejas (Cfr. DGARQ-ADS, Cota 420: Livro do Tombo das Igrejas de Santa Maria do Castelo e São Tiago de Almada, f. 5V).

Esta quinta de Almada, que no século XVIII foi conhecida por Quinta do Bornete, e teve uma Ermida dedicada a Nossa Senhora da Conceição, citada no Dicionário Geográfico do Padre Luís Cardoso (1747), correspondeu depois à Quinta do Galo, na zona do Centro-Sul, onde em 1973 se edificou o Centro Comercial Pão-de-Açúcar, hoje já desaparecido.

A razão para que tivesse vendido a sua quinta junto a Almada e adquirido uma nova propriedade no local extremo do concelho, parece resultar de uma certa vontade de viver isolado num quase eremitismo, pelo menos é o que se depreende dos apontamentos biográficos do Padre António Soares de Albergaria anteriormente citados.

São também os apontamentos biográficos de Diogo Barbosa de Machado, que nos confirmam a existência e fundação de uma Capela «no caminho de Cacilhas para a Nossa Senhora do Cabo», e que os documentos da Câmara Eclesiástica já descritos no post «Charneca de Caparica (2): Aroeira»  situam no Casal da Aroeira, na freguesia de Nossa Senhora do Monte de Caparica, última residência do Padre António Soares de Albergaria, onde terá falecido antes de 1662.

RUI M. MENDES
Caparica, 20 de Junho de 2011

Figuras de Almada (1): Manuel da Maya, Engenheiro-mor e Guarda-mor da Torre do Tombo



 [Figura: Manuel da Maya]

É reconhecida nacionalmente a importância da figura de Manuel da Maya (1677-12.9.1768), Engenheiro Militar, Arquitecto e Guarda Mór da Torre do Tombo ao tempo da Grande Terramoto de 1755, sendo conhecida a sua intervenção na obra do Aqueduto das Águas Livres em Lisboa (1729-1748) e como um dos responsáveis pelo planeamento da chamada “Baixa Pombalina” (junto com outros importantes engenheiros-arquitectos como Carlos Mardel, Eugénio dos Santos, Elias Sebastião Poppe, e João Pedro Ludovici), além do relevo da sua intervenção na salvaguarda dos tesouros do Real Archivo da Torre do Tombo na altura do Terramoto, acção a que muito deve a historiografia portuguesa, e sem a qual esta seria seguramente bastante mais pobre!

Pelas ligações familiares e profissionais de Manuel da Maya a Almada decidi transcrever aqui uma parte de uma obra dedicada à sua biografia, Manuel da Maya e os engenheiros militares portugueses, 1910, de Cristóvão Ayres, em que se realça as referidas ligações a Almada.

Além dos aspectos mencionadas na referida obra, e que destaco à frente, há ainda dois aspectos da biografia de Manuel da Maya que, de forma indirecta tiveram também impacto na história e historiografia de Almada, os quais merecem seguramente alguma reflexão:

1 – A sua intervenção na salvaguarda de uma parte significativa do espólio da Torre do Tombo a quando do Grande Terramoto de 1755, a qual permitiu que chegassem até aos nossos dias, importantes documentos para o conhecimento e compreensão da História de Portugal, quer a nível nacional, quer regional, alguns dos quais certamente tiveram impacto no que conhecemos sobre a História de Almada;

2 – A sua participação na condução das obras do Aqueduto das Águas Livres, já que a conclusão desta importante obra de abastecimento da capital, veio de certo modo aliviar, sobretudo em tempos de seca, a procura na margem sul de fontes de abastecimento de água a Lisboa, em especial nas Fontes Santas, e também na Fonte da Pipa, ambas no concelho de Almada.

Os aspectos da biografia de Manuel da Maya que se ligam directamente a Almada são dois:
1 – A ligação familiar, por via dos pais, Francisco da Maya e de sua segunda mulher Paula de Almeyda, que residiram em Almada, como refere Maya no seu testamento feito em 1764;
«Declaro que sou natural d'esta cidade de Lisboa, baptisado na freguesia de Sam Julião em cinco de Agosto de mil seis centos settenta e sette (1677), sendo meu Padrinho o muito Reverendo Padre Pedro de Vargas capellão da Capella Real do Senhor Rey Dom Pedro o segundo, filho legitimo de Francisco da Maya e de sua segunda mulher Paula de Almeyda, recebidos [casados] na freguezia de Santiago da Villa de Almada, de donde passarão para a freguesia de São Julião desta corte, onde viverão até o fim de sua vida e forão enterrados no convento de São Francisco da mesma Corte, em cuja Religião erão terceiros».

2 – A ligação profissional, por ter, a partir de 1701, trabalhado na supervisão e desenho de obras de fortificação desta banda, mandadas efectuar no reinado de D. Pedro II, e que seguindo o que nos diz Raul Pereira de Sousa (in Fortalezas de Almada e seu Termo, 1981, p. 56) podem corresponder às seguintes:
- Forte da Foz (Vigia – Trafaria);
- Forte da Fonte da Pipa (Arealva – Olho de Boi);
- e reedificação do Forte de Santa Luzia (Cacilhas).


Forte da Fonte da Pipa (Arealva) (in Fortalezas de Almada e seu Termo, 1981, p. 56)

Aliás a sua participação nestas obras é referida numa Carta régia de 1758:
«Faço saber aos que esta minha carta de Padrão virem que tendo respeito aos serviços de Manoel da Maya filho de Francisco da Maya natural desta cidade feitos pello espaço de vinte e hum annos quatro mezes e hum dia nos postos de Apontador das fortificaçoens, Ajudante de Ingeneiro, Capp.^{am}, Sargento Mayor, e no de coronel de Infantaria com o mesmo exercicio de Ingineiro desde vinte e sete de Mayo de seiscentos noventa e oito (1698) até vinte e sete de Mayo deste anno de mil setecentos e dezanove (1719); no de mil setecentos e hum (1701) assistir ás obras da marinha e das batarias da banda de Alem, tomando as alturas e examinando os materiaes e fazer os riscos das plantas das ditas obras com muito acerto e ajudando em todas ellas ao Lente das fortificações, Francisco Pimentel»

E confirmada numa petição de 1738 transcrita no Diccionario historico e documental dos architectos, Vol. II (1904) / Sousa Viterbo, pp. 127:
«Senhor — Diz Manoel da Maya que elle serve a V. Mag.e ha quarenta annos no exercício de engenheiro continuados de 26 de Mayo de 1698, the o corrente mez de Mayo de 1738, conseguindo nos primeiros vinte annos occupar o posto de coronel, como consta de sua patente passada em 11 de novembro de 1718 na qual se relata que occupou o posto  de ajudante e capitão com o exercício de engenheiro servindo juntamente de apontador das fortificações da Corte, e sua marinha, quando se fortificou do anno de 1701 e subsequentes (…)»

Das fortificações da margem sul, edificadas ou reedificadas no reinado de D. Pedro II, só o Forte da Trafaria, não terá tido intervenção de Manuel da Maya, pois foi edificado em 1683.

Para mais elementos biográficos sobre Manuel da Maya, ver também o Diccionario historico e documental dos architectos, Vol. II (1904) / Sousa Viterbo, pp. 124-131, in:

ANEXO DOCUMENTAL
Excerto de: Manuel da Maya e os engenheiros militares portugueses (1910) / Cristóvão Ayres (Fonte: http://purl.pt/848/3/)

 [p. 53]
Á amabilidade do digno par do reino Sr. Francisco Simões Margiochi devemos o ter conhecimento de uma preciosa collecção de manuscritos referentes a Manuel da Maya, reunidos por seu pae, uns da letra do grande engenheiro, outros, documentos officiaes a seu respeito, d'onde tiraremos desde já algumas informações, guardando a publicação d'esses documentos para outro logar, principalmente para quando noutro logar nos occuparmos da biographia do reedificador de Lisboa.
No seu testamento datado de 27 de Junho de 1764 diz Manuel da Maya:—«Declaro que sou natural d'esta cidade de Lisboa, baptisado na freguesia de Sam Julião em cinco de Agosto de mil seis centos settenta e sette (1677), sendo meu Padrinho o muito Reverendo Padre Pedro de Vargas capellão da Capella Real do Senhor Rey Dom Pedro o segundo, filho legitimo de Francisco da Maya e de sua segunda mulher Paula de Almeyda, recebidos na freguezia de Santiago da Villa de Almada, de donde passarão para a freguesia de São Julião desta corte, onde viverão até o fim de sua vida e forão enterrados no convento de São Francisco da mesma Corte, em cuja Religião erão terceiros. Não fui casado e não tenho herdeiro algum forçado ascendente ou descendente, e se houver alguem que proue lhe sou deuedor de alguma couza ordeno seja attendido como fôr justo. Nomeyo por meus testamenteiros em prim.^o lugar ao Reverendo Beneficiado da Santa Igreja Patriarchal Pedro do Valle Maya, em segundo lugar a seu (?) tio Theodoro da Silva Maya a quem rogo queyram por caridade e amor de Deus dar a execussão o que aqui [p. 54] determino. Será meu corpo leuado no esquife ou tumba da minha Venerável Irmandade dos Clérigos pobres com o titulo de caridade e protecção da Santíssima Trindade cita no hospital Real de todos os Santos e acompanhado pella mesma Venerável Irmandade (á qual?) offereço dez moedas de ouro como já offereci na minha entrada, e será sepultado no mesmo convento de Sam Pedro de Alcantara das Religiosas Arrabidas cuja communidade toda no dia seguinte dirá missas pela minha alma de corpo presente...»
Mais adeante diz: — «Declaro que o fogo que se seguiu ao terramoto do primeiro de Novembro de mil sete centos sincoenta e sinco me queimou o edificio em que morava na travessa do Salema, freguezia do Santissimo Sacramento desta corte e me destruhio quanto nelle tinha em que entravam todas as minhas memorias conseguidas em largos annos com documentos, plantas e instrumentos da minha principal profissam e da minha fabrica, e noticias procedidas de diversos empregos do Real Serviço assim diurnas como nocturnas, e que ao depois fiz algumas nouas dissertaçoens, discursos e reparos e principalmente pertencentes ao lugar de Enginheiro mor do Reyno e ao de Guarda mor da Torre do Tombo conducentes ao Real serviço e bem publico, dos quaes alguns tem sido por mim propostos ainda que nem todos attendidos e que os primeiros se acharão na minha casa de visitas e os segundos na casa em que tenho os liuros, e pesso ao Reverendo Beneficiado Pedro do Valle Maya meu testamenteiro primeiro que com os dous destes Reverendissimos Padres Frey Antonio de Santa Anna e Frey Anastacio dos Santos os revejão e observem com attenção (pois que eu com a diminuição de potencias e sentidos e de mais de outenta e seis de idade me não acho em termos de o [p. 55] fazer), separando o que lhe parecerem util para se entregarem da minha parte aos meus dous successores que lhe darão a prouidencia que melhor lhes parecer...»
Na carta regia de 9 de dezembro de 1758 em que a Manuel da Maya se faz mercê de doze mil reis de tença annual, vem os seguintes dados biographicos:
«Faço saber aos que esta minha carta de Padrão virem que tendo respeito aos serviços de Manoel da Maya filho de Francisco da Maya natural desta cidade feitos pello espaço de vinte e hum annos quatro mezes e hum dia nos postos de Apontador das fortificaçoens, Ajudante de Ingeneiro, Capp.^{am}, Sargento Mayor, e no de coronel de Infantaria com o mesmo exercicio de Ingineiro desde vinte e sete de Mayo de seiscentos noventa e oito até vinte e sete de Mayo deste anno de mil setecentos e dezanove; no de mil setecentos e hum (1701) assistir ás obras da marinha e das batarias da banda de Alem, tomando as alturas e examinando os materiaes e fazer os riscos das plantas das ditas obras com muito acerto e ajudando em todas ellas ao Lente das fortificações, Francisco Pimentel, com o qual foy a Extremós para examinar o que faltava á fortificação da Praça; no de mil sete centos e quatro conduzir p.^a Abrantes hum Regimento de Olandezes, e despois voltar, tornar para a dita Villa á obra da fortificação fazendo a medição á planta do armazem e a informação doque convinha para a de Tancos na Campanha do ditto anno; acompanhar ao Conde Apozentador mor que foy aquartelar a munto alto e munto poderoso Rey Dom Pedro segundo de boa memoria, meu Rey e Senhor que Deus foy servido levar para sy, servindo de quartel Mestre da Corte; no de mil sette centos e sinco, ser mandado para Elvas, e sahindo no exercito [p. 56] assistir á obra de huns reductos que se fizerão a (?) da da Godianha para guarda da ponte das barcas, hindo muitas vezes vizitar os ataques e batarias por ordem do mesmo senhor; traduzir dous livros Francezes que tratão da fortificação, que forão recebidos com geral acceitação pello estillo e fé da tradução e pello seu bom prestimo e intelligencia ter sido muntas vezes occupado em varias diligencias do Real serv.^o e por ordem expecial fazer a planta de ambas as cidades de Lisboa, occidental e oriental, com toda a individuação de Praças, Palacios, Templos, Mosteiros, Freguezias, Irmidas, ruas e travessas com os nomes de todas estas couzas em tão boa forma e tão ajuizado ao Terreno que accreditou o seu estudo e trabalho de sinco annos...»
Por este documento se vê que Manuel da Maya entrou nos serviços da engenharia em 8 de setembro de 1737, como apontador; nelle vemos tambem as diversas datas das suas variadas occupações como engenheiro, tanto em tempo de paz como na guerra.
Os seus vencimentos em 1764 constam do seguinte decreto:
«A Junta da Caza e Estado de Bragança manda fazer novo assentamento a Manuel da Maya M.^e de Campo General de meus exercitos e guardamor da Torre do Tombo de hum conto duzentos oitenta e oito mil reis, que deve haver em cada h[~u] anno pelo Thesoureiro da mesma Caza, que são de sinco parcellas, que levava na folha d'ella, a saber quatrocentos e oito mil reis, que antecedentem.^{te} lhe erão concedidos de ordinaria sem abatimento de quatro e meyo por cento; duzentos mil reis de tença com o encargo de pagar quatro e meyo por cento; sento e sessenta mil reis de ordenado como chronista; cento e vinte mil reis para aluguer de casa, por aviso de 18 de  [p. 57] Dezembro de 1754, e quatrocentos mil reis mais de ordinaria, que lhe mandei continuar por Alvará do d.^o dia 18 de Dezembro de 1754. Belem 30 de Julho de 1756. Rubrica del Rey N. S.—Reg.^{da} a fl. 56.»
Manoel da Maya foi nomeado mestre de campo general por carta patente de 24 de janeiro de 1758, e sargento mor de batalha pela carta patente de 12 de janeiro de 1760. Entre os trabalhos que ao distincto engenheiro foram confiados, estão os do hospital das Caldas da Rainha.
D'isso dá noticia esta carta que se conserva na propria lettra de Manuel da Maya. Senhor No anno de 1706 se entregarão no Tribunal da Meza da Consciencia que tem o governo do Hospital das Caldas da Raynha, quarenta mil cruzados em fazendas p.^a do seu producto se formar a convalecenca p.^a os doentes pobres, que se vão curar ao d.^o hospital, e com effeito chegou a haver dous mil cruzados de renda por anno produzidos da redução que se fez das taes fazendas; mas no anno de 1750 ultimo em que a Mag.^{de} Fidelissima S.^{or} Rey D. João Quinto quiz continuar aquelle remedio, senão achava fabricada a convalecença, o que o Mesmo Senhor determinou se executasse; e com esta firmeza principiei a mandar conduzir alguns materiaes p.^a a tal obra; e por q o dito Tribunal mandou ao seu Architecto fizesse planta p.^a a tal convalecença, e este a fizesse, e se formasse consulta pella Mesa da Conciencia, desta consulta se me deo vista p.^a eu responder o que me parecesse; e por[~q] achei [~q] se devia regeitar huma janela que se queria abrir em huma casa pertencente ao commodo das Religiosas, e o haver que nas janelas de tal convalecença se intentara fazer de mais despesa e feitio [~q] o da Frontaria do Hospital, o declarei assim na minha resposta declarando os inconvenientes que havia nas ditas duas couzas: e [p. 58] entendo [~q] esta consulta se acha detida na Secretaria do Estado, de que foi secretario Diogo Mendonça Corte Real, que hoje habita em Mazagão, na qual secretaria se pode procurar esta consulta p.^a se lhe dar a providencia necessaria, assim p.^a bem dos pobres convalecentes, como p.^a o d.^o Tribunal dar cumprimento a obra de que se encarregou. V. Mag.^{de} mandará o que for servido. Lisboa 2 de 9.^{bro} de 1761.
Manoel da Maya.
Autographo.
Importantes foram os serviços prestados por Manuel da Maya á Torre do Tombo como guarda−mor, não só no que respeita á ordenação e catalogação dos documentos, mas por occasião do terremoto de 1755 em que, em vez de acudir á sua casa, que deixou arder, procurou no que poude salvar os thesouros do Archivo.
Falleceu em 17 de setembro de 1768, e foi, conforme a sua vontade, sepultado na casa de capitulo do convento de S. Pedro de Alcantara. Passava dos noventa e um annos; e toda a vida manteve severamente um voto de castidade que fizera aos doze.
A sua exagerada devoção levou−o a ser denunciante do Santo Officio, o que nesse tempo era tido como virtude. Denunciou em 8 de julho de 1755 um allemão das relações do P.^e Cardone por transmudar o azongue em prata, reputando−o um illuminado, e denunciou um cunhado de Mangin, abridor de cunhos da Casa da Moeda, como mação [T. do Tombo. Cad. 114 dos promotores da Inquisição de Lx.^a fl. 210.—Communicação do Sr. Pedro de Azevedo].
Que ominosos tempos aquelles em que até os espiritos mais lucidos enfermavam d'estas aberrações moraes!


RUI M. MENDES
16 de Junho de 2011

Bibliografia Dispersa (1): Livros do Cartório da Sé e Sumários de Lousada

Introdução
No meu trabalho de pesquisa documental e bibliográfica sobre o Património e História de Almada e da sua Região encontro algumas fontes que, não sendo relacionadas directamente com Almada, trazem alguns apontamentos interessantes, e por vezes inéditos, que merecem ser conhecidos.

Tentarei publicar alguns posts com estes elementos, a que chamarei « Bibliografia Dispersa».
No primeiro post apresento alguns apontamentos extraídos dos Livros do Cartório da Sé e dos Sumários de Lousada
Transcritos numa importante fonte bibliográfica, sobretudo medieval, que é o livro Documentos para a história da cidade de Lisboa: Cabido da Sé. Sumários de Lousada. Apontamentos dos Brandões. Livro dos bens próprios dos reis e rainhas, Lisboa, Câmara Municipal, 1954, trata-se de um livro inserido num conjunto de publicações feitas pela C.M. de Lisboa nos anos 40, 50 do século XX sobre algumas fontes importantes para a história de Lisboa, mas que abrange pessoas e toponímia de outras localidades fora de Lisboa.

No caso de Almada traz apontamentos sobre:
- A quinta de Palença, no séc. XVI;
- A Capela de Bartolomeu Joanes na Sé (uma das mais ricas do país) a que estava anexa a quinta da Silveira na Sobreda;
- O Morgado dos Almadas (Abranches) e os seus bens em Almada e Caparica;
- A quinta do Val de Rosal, no séc. XVI;
- A história do povoamento de Cacilhas ligada a D. Nuno Álvares Pereira;
- Pero Afonso Mealha proprietário em Almada no século XIV.


Apontamentos
(pp. 39-40)
1522 (23 de Agosto) – «Livros do Cartório da Sé: Título IV. Dos Testamentos e Capelas (…) Verba do testamento de D. Catarina da Cunha, mulher de Affonso Nunez, feito em 23 de Agosto de 1522, por que manda que na sua cappella se digão, em diz a de defuntoz, huma missa cantada com seo nocturno, ofertada com douz alqueires de pam cozido e hum almude de vinho, para o que deixa o cazal que tinha, digo, de vinho, e dias rezadas, cada huma ofertada com hum alqueire de pam e meio almude de vinho, para o que deixa o cazal que tinha em Almada, junto à sua quinta de Palença, e que o sucessor de seo morgado e administrador da ditta cappella, pelo rendimento do dito cazal, ornará a ditta cappella, e o que sobejar mandará dizer missa nella, fl. 76»



(Imagem da Quinta de Palença, dos Cunhas)

(p. 75)
1326 (14 de Agosto) – «Livros do Cartório da Sé: Título VI. Das Sentenças (…) Contracto que fez o Cabbido com os testamenteiroz de Bartolomeu Joannes, em 14 de Agosto de 1326, era de 1364, pello qual, em execução da sua vontade, dotarão a cappella que elle instituhio e lhe anexarão – huma quinta na Telhada, termo de Alanquer. – huma quinta em Ribatejo – huma quinta no termo de Almada [*] – huma quinta em Palma – humas cazas na Judiaria – outras cazas no Picoto (…)»

[*] Nota: através do zelo dos administradores e com clara protecção régia, solicitada por Bartolomeu Joanes no seu testamento, a Capela possuía, no séc. 18, inúmeros terrenos, que lhe conferiam um rendimento considerável; este constava de oito casas na cidade de Lisboa, que rendiam 66$668 reis; duas quintas, uma na Palma de Baixo e outra nos Olivais, em Lisboa, com renda de 13$020 reis; vinhas em Telheiras e Barcarena, com o rendimento de 6$220; uma quinta, azenhas, casas e pomar em Barcarena, com o rendimento de 21$510; um casal no Turcifal e outro em Barcarena, rendendo 27$200; Quinta da Chapueira, em Torres Vedras, duas em São João da Talha, uma delas denominada Quinta da Figueira, a Quinta do Rei, na vila de Alenquer e a da Silveira, na Caparica, rendendo um total de 65$880; a Capela tinha, pois, um avultado rendimento, num total de 200$498 anuais, que permitia cumprir as disposições testamentárias do instituidor, bem como as várias obras pias; não existem notícias da localização do seu hospital, sendo, certamente, integrado, durante o séc. 15, no de Todos os Santos, como aconteceu às demais instituições deste tipo que existiam em Lisboa. (Cfr. João Neto, 1992, e Paula Figueiredo, 2008 in http://www.monumentos.pt/ /Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=2196)

(p. 223-229)
1382 (29 de Maio) – «Sumários de Lousada (Excertos): Parte II (…) No Cartório de Jorge de Penalva, escrivão das capellas, hospitais e alvergarias de Lisboa, achey a instituição da caepella que fez Vasco d[e] Almada. Diz assi: Saibão todos que na era de 1421 (isto he anno 1382) aos 29 dias de Mayo, na cidade de Lisboa, nas pousadas da morada de Vasco Lourenço d[e] Almada (…) De hum feito deste cartoreo que se processou no anno de 1503 consta como houve demanda sobre a capela de Vasco Lourenço d[e] Almada. Foi escrivão Martim de Crasto e processou-se contra huma Anna Rodriguez, viúva, molher que foi de Carlos Caiado, que trazia certa propriedade da dita capela, polo administrador desta mesma sita em São Mamede de Lixboa, por nome Dom João d[e] Abranchez do conselho d[e] El Rey e administrador da capela e morgado de Vasco Lourenço d[e] Almada, edificada na igreja de Sam Mamede desta cidade (assi o diz). E correo o feito diante do doutor Diogo Lopez de Carvalho, ambos do desembargo d[e] El Rey e desembargadores das capellas. Dona Mecia da Cunha, era molher do dito João d[e] Abranchez e nos artigos diz o dito Dom João provará que seu pay Dom Álvaro Vaz d[e] Almada, capitão mor de Portugal e Conde d[e] Abranchez, possuhira em sua vida todolos bens que tinha na villa d[e] Almada e seus termos em nome e titolo de morgado que instituhio e fez Vasco Lourenço seu avô e bisavô delle A.  E por sua morte elle A. Entre todos seus irmãos e irmãas ficou herdeyro e admnistrador delles, por serem de morgado, e consta destes autos como Dom João ainda era vivo aos 16 de Dezembro do dito anno de 1503 e aos 27 de Janeiro seguinte já era morto e ficou a administração ao Dom Álvaro seu filho menor e sua may ficou por tutora. Diz como despois da morte do dito Álvaro Vaz a dita terra que he em Caparica, a condessa Dona Constança fez troca e escambo com Guilherme Cayado, dono e sogro dos reos, no Dezembro de 1491, pello qual o ditto Guilherme deu a seu filho Carlos, marido da R., este bacelo e na sentença que em favor de Dom João deu El Rey Dom Manoel, intitula a Dom João d[e] Abranchez, fidalgo da sua casa e do seu conselho e intitula a seu pay, Dom Álvaro Vaz d[e] Almada, em capitão mor destes reynos. Faz-se também menção nella de hum escambo de outras leiras do morgado, feito a 28 de Dezembro da era de 1441, por João Afonso tabaliam, pello qual consta como Álvaro Vaz d[e] Almada, ric[o] homem e capitão mor de Portugal e alcaide mor de Lixboa, casado com Dona Izabel da Cunha, nomeya a Dona Constança por condessa d[e] Abranchez. Dada em Lixboa a 27 de Agosto de 1449. De hum escambo feito no Dezembro anno 1441 consta como o dito Álvaro Vasquez d[e] Almada era ric[o] homem e tinha mais titilios acima referidos. Estava casado com sua molher Dona Izabel, em Almada, nas suas cazas, e era a villa do Infante Dom João. Doutro escambro, a 3 de Dezembro anno 1491, que fez a condessa de Abranchez Dona Constança de Noronha, em Lixboa, nas suas cazas. Doutro aforamento feito no anno de 1523 consta como estava na sua quinta de Caparica, que he de morgado. Dom Álvaro e Dona Joana de Melo, sua molher. (…) E no anno de 1548, no Março, Dom Álvaro d[e] Abranchez em hua petição que fez a el rey sobre esta capela, diz que faleceo Dom João seu pay, dia de Santo Antão da era de 1504 (…)».

(p. 234)
1532 (19 de Março) – «Sumários de Lousada (Excertos): Parte II (…) No cartoreo de Pero basto, escrivão dos órfãos em Lixboa, á Mouraria, acheo o inventário que se fez a 19 de Março de 1532 da fazenda que ficou por morte de Dona Francisca de Souza, molher de Tristão de Souza, o qual fez Britis Lopez, may della, para Joanna, sua neta, de idade de 11 annos, filha do seu primeiro marido Dom Garcia d[e] Eça e para Dom garcia, de 10 annos, filho do ditto Dom Garcia, e para Pero Souza, filho do ditto Tristão de Souza, de idade de hum anno e da dita Dona Francisca, e para Garciza de Souza, sua primeira molher, de idade de 8 annos. (…) Nomeia esta Britiz Lopez a hum seu irmão por nome Anrique Costa. Foy isto feito na rua da Figueira. Entre as outras quintas nomeya em Caparica a de Val de Rosal

(p. 246)
«Sumários de Lousada (Excertos): Parte II (…) No cartoreo de João de Penalva, escrivão das capellas, hospitais e albergarias de Lixboa, em hum feito que toca a instituição do morgado dos Almadas, achey huma inquirição como no porto de Cacilhas, em cima delle, Nuno Alvarez Pereira fizera as primeiras cazas que ouve no dito porto e também se pretendeo provar que no anno de 40 [1340], não havia em Caçilhas mais que 5 ou 6 vezinhos, mas não o disseram assy as testemunhas».

(p. 261)
1365 (21 de Dezembro) – «Sumários de Lousada (Excertos): Parte II (…) El Rey Dom Pedro, segundo papéis do mesmo cartório de São Domingos, chama a este Pedro Afonsso Mealha, seu vassalo, em huma carta de mercê de çertas herdades em Almarge, termo de Almada; foi passada nas Alcáçovas a 21 de Dezembro, Vasco Lourenço a fez, era 1403, que he anno 1365.»

RUI M. MENDES
30 de Maio de 2011

Início

A minha mensagem de início deste novo blogue visa apresentar a razão da sua existência.

O meu nome é Rui Manuel Mesquita Mendes, e gosto muito de história e património a ponto de já ter desde 2005 um blogue chamado precisamente «História e Património» (http://historiapatrimonio.blogspot.com/), onde tenho vindo a publicar alguns posts sobre matérias diversas, mas que no essencial se contêm em três grandes temáticas:
- A Arquitectura Religiosa Moderna e Contemporânea em Portugal;
- O Património Religioso da Região de Lisboa;
- A História e Património dos Concelhos de Almada e Seixal.

Tendo iniciado uma actividade de publicação mais desenvolvida destas temáticas nos últimos meses, verifiquei que a utilização de um único espaço para publicação sobre as três temáticas, fazendo sentido para mim, talvez não faça tanto sentido visto de fora.

Assim optei por criar novos blogues mantendo uma mesma linha de publicação mas dividindo os posts por diferentes espaços conforme as temáticas, no caso da História e Património dos Concelhos de Almada e Seixal, optei por dividi-los em quatro:
«História de Almada»
«Lugares de Almada»
«Lugares da Caparica»
«Lugares do Concelho do Seixal)
Quatro blogues uma raíz comum, a História e Património desta Banda do Tejo, aqui publicarei posts sobre diversos aspectos da História e do Património dos diversos lugares dos concelhos de Almada e Seixal.
A opção pela divisão em quatro blogues visa dar-lhes mais coerência e unidade, assim além de um blogue dedicado mais à investigação de fontes históricas sobre Almada, tenho mais três sobre a história e património dos lugares por um lado de Almada, a grande cidade da margem Sul, onde o património está mais ligada ao desenvolvimento urbano e actividade industrial, por outro lado da Caparica onde, apesar do seu actual desenvolvimento urbano, ainda se podem encontrar muitos vestígios da sua vida rural, por fim do Concelho do Seixal, com a suas três grandes vilas/cidades: Seixal, Amora e Corroios, que estiveram ligadas a Almada até 1836, e que constituem em larga medida uma síntese do que é e foi o povoamento da Banda de Além Tejo, como antigamente se chamava esta região a sul de Lisboa.


Assim manterei o blogue «História e Património» como a espinha dorsal dos meus posts e onde publicarei alguns artigos sobre assuntos de carácter geral, passando a publicar e transcrever para novos blogues os posts específicos sobre as matérias acima descritas.

Espero que cada blogue sirva para divulgar aspectos da História e Património do nosso país dentro das temáticas específicas referidas e que pela sua natureza podem apelar públicos diferentes.

RUI M. MENDES
23 de Junho de 2011